Janela




Meus olhos ardiam novamente.Coçei com a palma da mão,procurando com aquele gesto instintivo afastar o sentimento de que o ônibus já estava perto de seu destino.Sim,o destino era tão somente do ônibus,porque eu não tinha destino,tinha apenas uma trajetória indefinida,pela qual eu me arrastava mecanicamente,como uma lesma.
E foi assim,mecanicamente,que olhei para a janela suja e por que não dizer,triste? metáforicamente,claro.
Objetos,grande mistério.Não sentem,aí está sua mesquinhez e sua grande vantagem sobre nós.

A janela me dizia tanto,me dizia muito mais do que a pobre professora que debilmente procurava entreter com seus causos uma jovem pálida e ranzinza. eu.
A janela me dizia que lá fora havia vida.Não a vida exageradamente alegórica e espalhada das Drags,nem decerto, a alegria rala e frustrada das pessoas ou seriam vultos, que passavam por mim e pareciam fartar-se em suas concepções frágeis da vida que levavam.

Aquela janela medíocre,ocre,empoeirada com poeira que não era encantada,aquela janela quase profana,que mostrava os sonhos de milhões desfilando em fileiras pelos meus olhos alérgicos e cansados.
Aquela janela era meu pacto silencioso com o mundo.
A janela era o contato único com a realidade.
A janela sustentava-me.
A existência de tudo passava por seu olhar revelador.
A janela me trazia lembranças genuínas,consideravelmente mais doces do que a voz da professora dos causos.
E menos terrível do que todas as faces que o mundo já ousou mostrar-me.
A janela era a pequena relíquia suja que me salvou do brilhante mundo para o qual nunca fui preparada.


imagem : John Waterhouse

2 comentários:

blur 9 de outubro de 2009 às 12:05  
Este comentário foi removido pelo autor.
blur 9 de outubro de 2009 às 12:13  

primeira vez que sinto vontade de não chegar a lugar nenhum numa viagem haha (a idéia do dente-de-leão foi devidamente roubada =p )*comentário anterior editado*

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ahn?

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