Ciranda da meia noite



Aos cinco anos,já batia a cabeça nas paredes e aprendera cedo o que se tornaria um vício.
Chorar em banheiros,sem distinção de lugar,cheiro...Banheiros.
Aos seis anos já buscava sua própria janela mágica ou esconderijo secreto.
Cansada de sua procura,passou a inventar estórias e por algum motivo,acreditavam nela.
Queria insistentemente atirar-se de um prédio,mas não moravam em um.
Pisava em poças pelo doce sabor da transgressão e sentia sapos em seus pés e borboletas de todas as cores dentro da íris.
Não borboletas exatas.Não.
Eram borboletas de cor e fascínio criados.Que subiam dos arranha-céus as colinas de mármore e pó.
Tenra a idade,porém ranzinza ineterruptamente.
Fruto de certas disseminações de idéia antigas e de contradições permanentes.
A estupefata menina das tardes de sábado,que sabia que brincar com pedras era melhor do que ser gentil.
E ser gentil só servia pra ganhar mais geléia de uva com a qual poderia lambuzar-se e sentir a velha auto-piedade de seu ser sujo.
Viver era inalcansavelmente lúcido demais,prometido demais,subjulgar-se.
Subjulgar-se as bonecas de alma branca e fácil,que lhe sorriam sem oferecer nada de verdade.
Sem oferecer,ao menos o frescor dos dentes ou o hálito puro.
Ela não pedia nada,acostumou-se de tal forma a não ter coelhos apressados com relógios a caminho de uma festa da mesma forma que se acostumou a não ter coelhos,a não ter pressa,nem relógios ou caminhos,muito menos festas.
A alucinação da ausência de coelhos om fraque e cartola,chegou ao seu ápice,quando ela negou-se a comer coelhos de chocolate.
Fora uma resolução acertada,afinal.
De tartarugas ela não tinha piedade,muito menos de tartarugas de chocolate com estômago recheado de creme.
Tartarugas eram enfadonhas e dentadas.Coelhos eram apenas dentados e mágicos.
Sua alma perplexa,porém,ainda tinha o certo alívio de as vezes tomar chá.
O chá que a transportava para lugares frios,onde tinha a consciência mutante de que seu espírito era mesmo assim.
E que lhe fugia tudo das mãos,porque não tinha mãos capazes de suportar os frutos.
Nem os frutos,nem o pólen,nem as severas abelhas.
Simplesmente não suportava nada que lhe limitasse a respiração,porque os afluentes caiam sobre ela,
e seus pensamentos caóticos tinham a tediosa e bela sonoridade do nada.
Para ela,não havia coisa mais fascinante do que poder acreditar nas coisas,
com a inocência dos púdicos e a ânsia sempre crescente das meretrizes.
E deveria acostumar-se a isso mesmo.
Aquietar-se,por saber que era assim que a vida seguia.
Sem prestar contas ou consolar os que muito esperam dela.
Era certo que fora feliz,ponto.
"Fora",era novamente limitar-se e limites eram tão rígidos.
No entanto,fora feliz.
Assim como é provável que Dario perdeu a Guerra contra Alexandre.
Pouco juízo falho.
Feliz. Porque sobram restos de folhas caídas que servem para tapar o sol de arder nos olhos.
E por haver olhos para esconder do sol.
Também por haver um motivo para tapar os olhos: O sol.
Porque sabia que em torno disso,deveria haver alguma grande razão.
Algo externo a si,um motivo.
Um motivo para as coisas existirem.
E para provar que o mundo não era idéia sua,ou antes,que sua pouca madureza era incapaz de conceber algo que não fossem suas palavras cheias de saliva e prudência.
Antes que lhe dissessem o quanto não era bela e oportuna  para as coisas,ela já sabia que as coisas eram as coisas sem serem coisas,enfim...
Já sabia que olhar nada tinha a ver com a visão e que ser,costuma ser o oposto de existir.
Sua ambiguidade nômade tornava-lhe senão um sapo na trunda,uma coisa imersa em outra coisa inútil.
O que talvez ela mais quisesse,era vencer um dia aquele medo estável da melancolia que a espreitava e sentir menos repugnância por tudo.
Então,ela continuava,
Porque continuar era mais fácil que parar.
Sempre foi assim.
Dentro do túnel,Alice preferiu seguir o coelho,mesmo que este pudesse dissolver-se no ar,como a maioria dos sonhos.
Poderia dizer que tudo se valia ao alívio de saber-se viva e sentir-se estranhamente especial por isso.
Porque também ela fazia parte do mistério comum que une a todos,como um organismo.
Porque sabia-se cotidiana mesmo que somente na parte revestida.
Finalmente,ela poderia ansiar por sentir-se parte do mundo,não apenas como um aglomerado de moléculas,gases e vazio que preenche os vácuos.
Por isso,sentia-se plena em desacordo com o resto.
Porque sabia que era triste,mesmo sendo supostamente feliz.
Sua alegria era o cansaço do espírito habituado a melancolia nervosa e estéril.
Sob seu sorriso desregulado,
descobria-se a incessante busca pelo valor e sabor dos dias.
Todos os dias que não teve,porque tinha de ser;
Toda a vida que não era sua e lhe coube a missão de tomá-la para si.
Todo aquele cansaço de buscar ser associável a algo.
Toda a incomunicabilidade de não compreender a exatidão.
E achar a exatidão uma besteira.
Sob seu olhar,certas ternuras que a tornavam menos azul que o céu.
Uma saudade do que por descuido permitiu que se esquecesse.
A gratidão expressa em algum canto,por aqueles que a tomaram pela mão,
mesmo que fosse para arremessá-la na inanidade.
E a insólita promessa feita a menina sombria de braços levantados que a contemplava súplice,
porém sem pedir nada.
Mas aquela a qual sabia,por lei que criara;
que devia tudo.
Até mesmo a morte.

1 comentários:

blur 28 de novembro de 2009 às 07:38  

sou viciado pelos seus comentários... e esse post me deixou sem palavras hahah pouquinho de raiva de você por não escrever mais frequentemente e fazer mais desses!

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ahn?

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