O Limiar



00:36:07


Queria escrever um conto de natal que enternecesse o coração da minha mãe e me fizesse acreditar um pouco mais nisso tudo.
Mas eu não posso.
Queria possuir essa fúria lamacenta e questionadora,mas tudo em mim e fragilidade.
Queria avisar a todos que a estação já passou,mas o trem continua indefinidamente...
O Natal é feito de pessoas egoístas.
Ninguém pensa naqueles que esperam um presente que nunca  chega e que não desistem de esperar,ainda que isso resulte em nada.
Se eu deixasse de pensar em duas cores,talvez eu compreendesse aqueles que falam sobre milagres.
Eu ouvi alguém dizer que "só os loucos estão seguros".
De certa maneira,acreditei nisto desde sempre.
Olhar o céu sangrando é triste,denso e mórbido;
Mas eu sentia na tarde o sabor marrom de um pêssego recém colhido.
Tardes pêssegos eram raras.
Era doce ser esquecido nessas tardes.
Eu deixara de esperar por presentes,poemas e bolos de mel há muito tempo.
Ainda existia,entretanto, uma menina de olhos grandes e frios que esperava por eles,ainda que sen esperar.
Essa menina tinha cisnes no estômago  costuma rezar em altares a beira do abismo.
Ninguém questionava esse hábito.
Ela ainda esperava os malditos presentes.
Eu poderia dizer-lhe que era tolice,mas ela apenas taparia os ouvidos e me obrigaria a silenciar.


01:10:33


Não consigo escrever um conto de Natal terno,estremeado de afeto,laços e vinho quente.
Contento-me em ouvir uma Cítara ao longe  e deixar passar a chuva.
O Natal chegaria irremediavelmente,assim como as contas e os pombos do pátio da Igreja.
Quando os sinos tocassem mostrando o ínicio das festas,
Eu tomaria carona com qualquer primeira estrela da noite e antes que pudessem achar-me,estaria dentro de um vagalume ou em qualquer lugar onde eu pudesse estar sã.
Chegando lá,a menina do quadro iria querer me expulsar e com razão,afinal eu estaria invadindo o seu lar.
Hora ou outra,ela entenderia.
Flaria em uma língua estranha,talvez uma língua só compreensível para garotas de olhos grandes e tristes que habitavam quadros passando a habitar vagalumes.
Estranha ou não,ela diria:
-Quando nascemos nos fazem loucos e quentes,se não fosse assim,cantaríamos como pintassilgos uivariamos como lobos.
Somos todos loucos,Sofia! Todos loucos!
Guarde sua pouca sanidade em cada gotícula de ar que expelires.
Pudesse eu estar sã e fria...
Aqui,você ficará sã,até a loucura do mundo ir embora.Estará segura aqui.
-Mas hoje é noite de Natal,eu preciso escrever um conto  sobre a loucura,o sonho,os presentes...
Eu preciso voltar!
-Por que voltar se aqui estará segura e fria?- Ela sorria fazendo aquilo parecer fácil.
-A ceia...meu pai...histórias... minha mãe...canções...Goodnight...Piggies...É importante...não é?-Eu cambaleava por dentro.
-Não é. 
Lacônica.
-Devia ser...Eu preciso tomar banho... está tarde...Tenho que devolver os botões do Francesco!
-Você não tem para onde voltar,você não precisa ser amada e muito menos precisa de ceias.
É um sonho.Você morreu,Sofia.
Ninguém a espera,não agora.
-É mentira! Eu não posso simplesmente deixar de existir como um raio imbecil que aparece para logo sumir.
Eu tenho um motivo pra viver!Preciso escrever um conto de Natal!


. . . .


Ela para de escrever,prevendo que eu logo saberia de sua existência.
Ela poderia prever qualquer coisa.


. . . .


-Já está sendo escrito um conto de Natal.
-Sim,mas não é meu!
-É sobre você.


. . . .


01:40:20


Ainda busco minha sanidade.

1 comentários:

blur 17 de dezembro de 2009 às 05:34  

deixei minha sanidade em um ponto de ônibus qualquer, mas ela insiste em me seguir grudada no pé esquerdo como um pedaço de papel higiênico.

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ahn?

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