Mono-diálogos


Olha, escuta..
Eu passei muitas horas pensando no que eu poderia te dizer. Na verdade,
eu passei muitos anos nessas horas pensando em uma frase que não quer sair.
E essa frase que ficou calada por tanto tempo, agora perto de ser verbalizada, se mostra tímida, encolhida em algum canto menos iluminado nas minhas pregas vocais.
Olha, eu podia te dizer tanta coisa.. tanta frase elaborada, ritmica, bem construida.
Tanta verdade, tanta mentira eu poderia te dizer.
Mas eu não quero, sabe? Porque pra mim essas coisas sempre soaram tão fáceis e tão clichês de comercial. Eu sei que ninguém se importa com isso, tampouco você se importa, mas.. pra mim isso representa muito, foi do que fugi a vida toda.. do óbvio, do banal, das coisas facéis e inúteis.
Eu não quero que você pense que não me importo, mas sempre medi muito bem as coisas que eu te disse, não apenas a você, mas a todos. Não, não é por ser egoísta. Quem disse que estou negando que eu o seja? Sei que pensa que sou apenas um narcisista bem articulado, mas nunca foi só isso.. se fosse não estaria aqui hoje.
Aceita um drops? Acho que preciso falar de uma vez, se não quiser ouvir, mesmo que me arda.. falarei, porque eu sei que no fundo, você queria que eu te dissesse tudo isso, desde o começo indecifravelmente você esperava pela oportunidade de me ver implorar.
Olha, meu bem, nunca fui o tipo de sujeito que alguma família burguesa pudesse tolerar, antes, eu era aquele tipo teddy boy inglês anos 50 que pensava que Little Richard e Buddy Holly eram muito melhores do que Elvis, e sim, eu sei que sua família não gostava das minhas roupas. Mas eu dizia entre um solo de piano de Schubert e uma nota de banjo vinda das casas noturnas "O que é a roupa, baby? Senão uma capa, um disfarce.. uma mentira?"
Não tenho foco, tá certo. É que você com esse olhar de céu morrendo me deixa com um gosto de nostalgia e blues na boca, e eu não vou conseguir concluir assim, como eu queria.
Claro que eu sei que estava me desviando do assunto, mas você não acha que a gente sempre encontra um jeito certo de dizer as coisas erradas, mesmo sem dizê-las?
Deve ser esse lance de sincronicidade.
Mas o velho Crowley não sabia que suas teorias ocultistas iriam me ajudar a te falar o que tanto desejo. No final as minhas ideias nem são mais minhas são da noite e eu sou o mundo inteiro, o mundo inteiro que eu vejo em você.
É que eu não queria mesmo que você me entendesse mal, sabe.. é por dentro que me arde, talvez uma veia entupida, uma garrafa de veneno de rato quebrada no meio de uma articulação, uma puta que não me ensinou as artes da vida direito quando jovem, uma neblina na volta de uma apresentação de circo, circo russo.. eu acho.
Não, não vai ainda! Tá frio lá fora, eu acho que ainda tenho uma garrafa de coca-cola, mas não diet, me diz que você parou com essa compulsão por contar calorias e kilometros..
Diz que não esqueceu de alimentar os pássaros e de polir o espelho do quarto.
Sabe, essa coisa de estar longe me afetou bastante, ando meio sem casa, onde eu paro, paro simplesmente.
Acho que perdi a rotina de ser eu mesmo, pra ser um rosto sem alma no meio de tantos.
No meio de tantos que fingem frieza, que acham que a hostilidade alimenta a mente e que vivem pra pedir desculpas pelas chagas que infligiram em si próprios.
Eu sei que você acha uma chatice tudo o que eu falo, mas quando nos conhecemos  você dizia que era esse meu charme nem-tão-provínciano mas semi-cosmopolita que te impressionara de imediato. E eu tenho certeza que eu te olharia de novo naquela tarde, em todas as outras tardes. Você costumava dizer que eu tirava poesia como erva daninha da terra, que as vezes escrever me fazia mal e era quando eu preferia ir pra casa cedo, comer qualquer coisa sem gosto e dormir com o pão do ressentimento colado ao céu da boca.
Mas, querida.. olha pra mim, não.. sem essa petulância forçada!
O que me matava naquelas noites de sol eram os teus silêncios.
Os teus silêncios sempre foram a minha sentença de morte.
Porque em silêncio o teu mundo que já era um mistério que eu era obrigado a observar de soslaio, se tornava ainda mais denso.
Eu não podia jamais adentrar o território santo dos teus silêncios.
Ali, eu era o exilado sem exílio.. porque, sabe bem, que sem você, eu não tinha exatamente um lugar para me deixar ficar, nunca tive.
Por isso, eu tenho essa coisa pra te dizer, eu sei que não vai mais ficar em silêncio mesmo que queira fazê-lo.
Eu esparava que você soubesse que quando eu dizia "talvez" eu queria que você ouvisse o infinito... E quando eu fingia não me importar, eu só queria que me abraçasse, não quando você quisesse, mas quando sentisse que eu precisasse.
Que tivesse mais empatia, como eu que morro de dores por sofrer das dores dos outros e as minhas mesmo em menor escala. Não, não estou te julgando, por favor,
Acaso eu faria isso? Com que intenção supõe isso?
Bebe a tua coca, vai amanhecer e eu não te disse nada, nada do que realmente importava.
Mas o dia dirá, um dia ele sempre diz. Fica. Apenas.

3 comentários:

blur 10 de dezembro de 2010 às 11:47  

mesmo se a ponte cair ainda tem as cordas nas laterais.

- 10 de dezembro de 2010 às 18:46  

e que coisa rica é essa coisa mágica de falar com o olhar! seu título pode muito bem estar errado, my dear. lindíssimo. e sim, o jeito tem tão provinciano cai como uma luvinha de algodão em ti.

Victória Resende. 26 de dezembro de 2010 às 20:30  

Sabe de quem eu lembrei lendo essa belezura de texto? Do nosso querido Caio Fernando. *-*
Ah, Alice.. gostei demais, viu. Sei que já deves ter ouvido demais isso, mas não custa repetir: você escreve divinamente.


Deixo um mimo pro teu blog, oh. Segue link:
http://victoriacresende.blogspot.com/p/selos.html

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