Oração Noturna


Eu não vou voltar.
Nem que eu quisesse eu poderia, todas as lágrimas da véspera já secaram antes que eu pudesse colher todas as palavras não-ditas ou fugidas.
Mas eu não preciso ouvi-las, pois tenho o péssimo hábito de lê-las de antemão nos olhares que capto de soslaio quando entretida em meus pensamentos, deixo minha liberdade voar.
Já não escondo minha falta de trato no convívio com os amigos e não faço voz mansa pra pedir qualquer gole de bebida, eu vou vivendo.
E quando me indagam sobre o valor da vida, meu ar antes soturno e meditativo agora se alterna em paranóia e alegria convulsa.
E respondo a todos que quiserem ouvir que posso muito bem viver sem escrever.. mas que ah! não me deixem sem poesia.. ou definho.
E hoje em meio a turbulência da paz e o plenitude do caos, eu quero cantar a vida como quem pula poças e se deixa molhar.
Quero pedir mais um dia de amor, mais um milhão de sorrisos para destribuir pelas ruas que floreiam meu passo ritmado e dezenas de gerânios para destribuir as crianças que passam por mim.
Quero pedir apenas um copo de chá, um cobertor quente e certas mãos firmes envolvendo minha cintura.
Quero ver o céu, cantar todas as músicas e rir dos sábios e dos tolos.
Eu vou vivendo, procurando um ritmo, uma cor, um lugar onde parar.. um tema para um conto.
Guardando uma dúvida aqui, um papel acolá e uma ânsia incontrolável de ver, ser e estar.
Vou vivendo sobrevivendo as farpas, destribuindo vespas e fechando arestas.
Hoje, eu quero  aqueles que me interessam perto.. mesmo que distantes.

Eu quero o conflito e o paradoxo de Platão, quero a lascívia de Greta Garbo e a paixão pela descoberta que uma criança tem ao tocar pela vez primeira em um caracol.
E que os deuses nunca permitam que eu perca a vontade de abrir os olhos a vida e que eu nunca caia na rotina de me ser, para que eu seja sempre múltipla embora constante e que dentro do meu coração (cofre pleno) esteja sempre em liberdade e repouso tudo aquilo que eu amo.

Os olhos de Zéfiro


Você pode gritar até sua garganta pegar fogo e seus olhos esvaziarem-se de sentidos,
Mas isso não surtirá qualquer efeito desejado.
Você pode arrancar toda a carne que cobre teus fragéis ossos e deixar que os chacais a devorem quando a encontrarem descansando sobre o véu da lua, 

Mas eu ainda estarei pairando acima e além de todas as suas parcas  filosofias.
Se beberes de meu sangue,  beberás do mais poderoso e corrosivo veneno-elixir.
Mas antes que macules minha pele com seu dentes sujos, abrirei sua mente e espalharei minha doença nela.
Acredite, você pode culpar Deus pelo erro do mundo, mas tuas palavras são tão-somente suas palavras e nada surgirá do pó a partir do teu verbo desajeitado.
Você pode cobrir a cabeça para dormir, pode encontrar-me na morada de Hypnos, mas eu ando com os espíritos do mar e das águas e tu vicejas na terra, erguendo os tímidos olhos até as alturas onde me elevo.
Porque não ouvimos a mesma música. Eu ouço as liras, as trovas e leio a poesia do mundo em cada carvalho ou olhar lívido de criança, eu sinto mais e meus olhos tremem em frenesi diante da vida.
Você rasteja entre os cacos da sua existência, vivendo de migalhas e brincando de chiaro- escuro comigo, você não me atormenta, mas se atormenta, você esbarra nos meus pés e engole a saliva ao me ver, você tem medo de mim e sabe, você quer tanto e tanto mas finge e eu sei da sua mentira cada vez que num cruzar de cílios vejo o silenciar gritado das sua pálpebras.
Eu andei procurando uma canção de raiva que me ligasse a você, mas você come a neblina dos becos e a sujeira metafísica do seu coração torpe.
Quero arrancar a luz caridosa dos seus olhos cíclicos, olhos de Parca.
Eu quero te conhecer na raíz, no apogeu da sua inanidade.. eu quero olhar nos seus olhos e te ver como minha igual, minha alma-irmã, quero esquecer que muito de você sou eu.

Bilhete do Abismo




1, 2, 3.

3?

...
6.

9.

Muitos.
Preciso lembrar-me de um lugar.
Muito mais que isso, preciso lembrar-me de uma vida toda que perdi na greta de uma porta imponente e antiga.
Preciso respirar, aspirar, respirar, negar a doença,  dizer sim a vida.
Mas antes de tudo isso, eu preciso mesmo e talvez com mais verdade, pegar o livro ilustrado com o velho professor lunático de tweed mostarda e perguntar-lhe se por acaso sua musa costuma comer sementes de árvores com cara de monstros e voar com silfídes vermelhas por um bosque qualquer.
Eu preciso sentir o gás escorrer pela minha garganta e ver a fumaça expelida pelas minhas narinas nas noites frias.
Eu preciso reaprender sobre latim e  botânica antes de ir embora.
Eu preciso beijar os seus lábios antes que a alvorada floresça e eu esqueça seu nome.
Eu preciso me lembrar como era chorar, lembrar como era viver sem as cinzas de um rancor prematuro.
Eu quero ter a consciência da morte, o pungente e letal veneno correndo ébrio pelas minhas veias, invadindo cada milímetro da minha corrente sanguínea já infectada pelo vírus.
Eu preciso cantar algumas canções novamente, para guardá-las no ar por um tempo.. elas sobreviverão a mim.
Quisera por um inócuo momento saber o sentido amplo e sereno da liberdade.
Porque pra mim, ela sempre foi um pássaro de asas partidas.
Quisera então que a frágil ave levasse-me em seu vôo intrépido pelos ares do infinito azul.
Quisera que meus olhos secos produzissem a lágrima derradeira ao ler Sylvia Plath uma vez mais.
Quisera sentir todos os sentimentos do mundo, dos mais torpes e profanos aos mais imaculados e santos e dizer todas as mentiras e verdades que eu poderia dizer as pessoas que amei e odiei.
Quisera tremer no frenesi de milhões de orgasmos, todos os orgamos de todas as pessoas do universo, das prostitutas virgens às freiras corrompidas.
E o gozo do mundo explodiria em minhas células corroídas e atrofiadas antes que a vida abandonasse de vez esse coração abusado.
Eu teria então, ao mesmo tempo, a dor e o fulgor da vida, estando a um suspiro da morte.
Eu descobriria a Atlântida escondida, dançaria com as valkírias e com os eunucos persas.
Eu suspiraria segredos aos jacobinos e acabaria na guilhotina, eu fumaria o ópio dos poetas malditos e satânicos e comungaria dos seus segredos sobre a morte que agora vejo pela janela.
Uma águia sangra no horizonte e como uma ironia ou uma charada mal concebida, eu sangro e enfraqueço.
Minha fraqueza é subjetiva e imoral.
Por querer ser todos, eu descobri a criatura estranha e intempestiva que sempre habitou dentro de mim.. sem que eu desse notícia dela.
Eu que quis conhecer o mundo com os pés ardendo e os olhos cansados, o conheci através de pardas páginas mudas e versos esquecidos.
Eu que tanto amei a morte, descobri a vida.
E no último suspiro, eu entendi tudo.


...











9.

ahn?

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