Efeito


Você deixou moedas no meu tapete.
Então, você bateu a porta e deixou a batida ecoando nos meus ouvidos por horas.
Você deixou marcas invisíveis a olho nu na minha pele.
Então, você escondeu as minhas palavras embaixo do travesseiro pra que não fugissem.
Você não me disse muitas coisas.
Então, eu tive que escrevê-las ou desenhá-las.
Você atingiu todos os meus poros.
Então, eu tentei arduamente enxergar além dos flocos de neve na sua retina.
Você inventou novas luas, novos sóis.
Então, eu tive que acreditar nos astros.
Você coloriu palavras, desmitificou outras e duplicou milhões de sentidos.
Então, eu desisti de todas as lógicas e voltei ao meu país de origem.
E você nunca soube de nada, você ainda não sabe de tantas coisas.
Então, sem saber exatamente por quê, eu deixei que você soubesse.
E você desde então.. costuma deixar as malditas moedas ou qualquer coisa assim, para eu não esquecer.

Wanted


As vezes o que te resta é uma lágrima seca atracada na garganta, mas é uma lágrima instintiva, que saí sem buscar qualquer explicação plausível.
Talvez, ela venha em função de um desejo frouxo de ter trazido o objeto raro que te protegeria da noite.
O meio sorriso que por vezes saí dos rostos submersos em diáfanas nuvens de maio, não é de singela alegria mas de constante resignação.
Mesmo as palavras tingidas por rubra tinta são medidas falhas nesse calendário torto.
E eu perdi a mão, o bonde, mas não a esperança.
Dias haverão em que andando pelas ruas sonolentas, poderei eu destinguir uma pressa de um anseio e quebrar as métricas da minha cabeça.
De todos os remédios, a tua solidão foi o que mais te ardeu a garganta, o que mais te fez perder o ar e gemer em cólera. Sei que não se pede para ser hipocondríaco, mas quando se o é.. nenhum sentimento externo te salva do azedume que vigora em sua bile negra.
Bem, eu poderia ter avisado, mas eu já não poderia exprimir, estando no ato III, a verdade que faria suas pálpebras estremecerem em convulso choro.
O que me cabe é só esse senso de superioridade anônima, de remetente de cartas com endereço suspeito e de ser sempre a procurada por crimes que não cometi.
E o que me cabe, me faz feliz.
E o que me faz feliz é estar sempre em fuga, em agonia, esperando mais e querendo que esse mais nunca escape.
A lágrima rola frágil, como minha alma escorregadia e na fragilidade das almas, viceja a poesia, a prosa e a raíz de todas as canções.
A fragilidade faz existir vida e a vida (em si) determina o destino de todas as lágrimas.

Bolhas no purgatório


Passei por algumas luas tentando decifrar códigos e toda a sorte de sistemas metalinguísticos.
Briguei com Saussere, fiz e desfiz laços.
Eu vi a morte, o asfalto, as feridas apodrecidas e chorei sem emitir som.
Eu quis a dor, lancei-me sem mandamentos em seus braços.
No abismo, a providência deu-me asas rubras.
Morreu em mim um pouco da poesia silenciosa com que me alimentava, tal como beija-flor na seiva.
Não fiz madrigais, odes, canções, sequer trovas.
Abandonei as Hespérides, adentrei o Hades, o Valhala.
Sorri para máquinas.
De frases mal formuladas e sem coesão e coerência bebi epopéias.
Descobri países no mapa e nomes para o vento, e mais..
Descobri imagens para os azulejos do chão e animais para os ladrilhos do céu.
Queimei karma, ouvi teorias adversas, rompi auroras, bebi sereno e néctar na madrugada das almas.
E a náusea não atormenta mais.
Mas o que sinto e é intrínseco e inerente a minha condição de criatura errante, simplesmente não tem nome, nem cor.. não tem textura.
É como um purgatório de horas, mas dentro do paraíso.
Eu não quero que me vejam, eu não quero vê-los.
É como não terminar uma canção, tendo o intento de fazê-lo.
E todos vem a música, ouvem a paisagem sublime e amarela ao redor, multifocal, sólida, real.
Mas eu, vejo as bolhas azuis ao redor, isso ninguém nunca verá.

ahn?

Seguidores