Contra-Gotas


Tenho saudades,as vezes por acumulação,daquilo que não me deixaram ser.
Das minhas tardes que não foram e que eram tão doces.
Se tiveres os meios e não os fins,contente-se,pior seria ter o fim feito e refeito,mas não ver meios.
Depois de todos os meus esforços,só resta uma goteira grossa por dentro de mim.
Estou surpresa,como se tivesse acordado a pouco e visto a maravilha do mundo diante da janela e pensado: Então sou só eu que vivo em gotas esperando um dilúvio?
Porque apesar de tudo,só tenho por companhia a goteira,qual aranha,tecendo seu mistério da vida em mim.
Lutando contra as visitas indesejáveis,eu sigo.
Com raiva da caneta sem tinta,do amor que não deu em nada,do pacto surdo entre mim e o silêncio.
Tudo que resultei de mim não é nada,ainda que muito pra mim,porque mesmo fugindo de mim,o encontro inevitável,é traumático.
Disseram-me que eu devia sentir apenas coisas boas e perdoar os erros e maldades que as pessoas cometessem.
Disseram-me que a óstia era o corpo de Cristo,o vinho,seu sangue e que se eu comesse e bebesse,saciando-me em Deus,eu viveria para sempre.
Mas manteram-me calada e era tudo uma farsa.
Me senti inferior e profana por ter ódio e não saber que nome dar a isso,sentia-o na ponta da língua,nos cabelos,na seiva.
Fui mantida em cárcere por desconfiar das palavras sábias e também das palavras mundanas,todas eram tão facilmente pronunciadas.A goteira era a verdade,a legitimidade das coisas.
Era o que provava que por cima dos ossos havia carne e que essa carne sangrava quando  se excedia em sentimentos impróprios.
Constantemente anoitecia em mim e eu calava o meu mistério para sobreviver a manhã.
Cresci sem saber ser e sem crer que sabia qualquer coisa.
Morri para dentro de mim e acordei dentro do meu pulmão,sozinha com uma goteira.

Longa Canção Para Parar a Chuva


Não costumo sair assim,sem me dar avisos,sem despedir-me de mim.
Mas acontece que tenho as vezes essa ânsia de pegar as malas e sair daquilo que acostumei a chamar de consciência. Sinto-me tão pronta a responder as questões universais,como um grilo a aguentar o gelo.
Eu quero ter a verdade que tem algum gole último de uma bebida fatal.
A paixão das loucas! A frieza dos ermitões! E mais...
Tudo isso que é tanto é pouco para o meu sangue que quer singrar os ares,mas não tem a destreza de dizer o quanto o quer.
Perco um pouco de mim,quando me escrevo,mas ganho muito além,algo estranho,sem cor,certo tipo de substância,que entende meu anseio e torna-se parte definitiva do que sou.
Eu que tenho ruas inteiras não trilhadas,no entanto,já passei por elas tantas vezes.
E cada vez,um girassol multicolorido vai parar na aba do meu chapéu.
As minhas estórias que nunca foram... Essas sim,fariam a História do mundo.
Este sabor de inexistência ou se perferir,o encanto das coisas que poderiam ter sido,a maravilhosa descoberta da imperfeição!
Tudo isso vive em mim,porque enervo a todos quando escrevo.
Queriam me calada e ínútil,guardada junto as traças,comida pelas palavras e devorando-as até não restar gengivas para o sangue.
As palavras que são minha santíssima trindade,são também as furiosas Hirínias que me obrigam a afundar-me no lodo da mesquinhez e olhar os olhos fundos de um lobo.
São elas que salvam o meu dia do Ostracismo.Elas fazem o milagre das minhas horas existindo.
Se sonho,elas abandonam-me.
Escrever é minha maneira de sobreviver.
Não a vida,que essa sobrevive cada dia a si mesma e ao amor humano pela morte.
Escrever é,antes, minha maneira de sobreviver a mim mesma. Caso contrário já teria desfechado o tiro derradeiro e limpado essa nódoa do mundo.
É bem provável que o que eu escrevo seja tão insólito quanto o que sou.
Não desejo nenhum compreendido sobre o que escrevo,muito menos quanto o que sou.
Eu quero o frenesi da dúvida,a substância aflita,a interpelação,o caos e a náusea.
A dúvida.
A dúvida é bela. A certeza é moralista.A dúvida é subversiva. A certeza é absolutista,dinástica,hereditária.
A dúvida é flexível,de vanguarda.
A dúvida é a única verdade que permite desdobramentos,nuances,labirintos.
Eu não me leio,não me insisto,não me afirmo como coisa alguma.
Não sei qual é o meu tamanho,não tenho referências.
Devo medir-me entre Deus e o Pó?
Entre Deus e o Infinito?
Entre o Pó e o Infinito?
Devo ser o grão menor do olho do criador do nada,portanto.
Não há nada de belo em mim. Tudo é redemoinho e e espelhos quebrados.
A beleza sorri cínica,ela é tão real quanto a verdade.
Tudo são vísceras e coragem. A beleza esmorece na tarde fria,vendo seus frutos pretejarem ao relento.
O meu sorriso não esconde nada,exceto a podreza dos dentes e da língua cheia de acrimônia.
Por isso sangro em palavras e tenho hemorragias sem qualquer hora marcada.Sangro em poças,asfixio-me com meus verbos tolos e com idéias repetidas. Nada é novo.
Até o que escrevi é feio,sujo e pobre, sem qualquer sentimento nobre,vivendo na obscuridade,tentando em vão procurar um ouvido atento.
Eu sei que em cima do poço alguém deve estar ouvindo o eco deste sussurro que rasga minha garganta,entretanto,o habitante de cima do poço pode achar que quem está por cima sou eu e que possuo a corda da salvação.
Mas o que escrevo só é milagre em mim,para os outros é pecado e deve ser lido em voz baixa. Poupemos os anjos.

Peixes II



Se me perguntarem,eu direi que meu primeiro dia a bordo,foi muito bom.
Apesar dos constantes vômitos e dos olhos afetados pelo sal e o vento marítimo.
Era bom estar no líquido,soava como não pertencer a lugar nenhum e nada dever as autoridades e a moral cega.
Ali ninguém chamava meu nome ou me pedia par dormir cedo.Era gratificante estar ali.
Em algum ponto entre o mar e o céu,longe da terra e suas questões exaustivas.
No terceiro dia,apareceram os "homens - peixes",era como eu os chamava por não haver encontrado nome melhor.Eram enormes,como se duas pessoas tivessem brincado de cabo-de-guerra com seus corpos,eram esticados.Suas orelhas eram maiores que as mãos,na verdade,as orelhas tinha o formato da mãos.
De suas peles escorria um fluido quente. Cera.
Eles pareciam velas gigantes.
Não faziam sons e seus olhos eram estáticos. Olhos de peixes.
Eles apareceram e logo se foram. Eles só queriam mostrar-me que não importava onde eu estivesse,os fantasmas irreais ainda me perseguiriam.
O sol continuava castigando os meus olhos.

Roteiro





Você sempre pensou em como seria bom inromper na Igreja em um casamento e declarar que tinha algo a dizer que não deveria ser calado para sempre.
Era cinematográfico demais.Quantos pastelões,roamces água com açucar e qualquer filme descartável não haviam abusado dessa cena?
Mas você iria fazê-la um dia e com uma concentração de causar inveja a qualquer ator.
O padre diria a frase tão esperada depois do derradeiro "sim" do casal sanguinário e garboso e você responderia em tom grutural e triunfante parado na porta,respirando em golfadas,após ter corrido até lá.
Correr. Isso não pode faltar,tome nota.
A noiva te fitaria confusa,porém radiante.Você notaria que ela nunca estivera tão odiavelmente encantadora.

Provavelmente,isso fazia parte da conspiração sagrada do mundo pra te ver na pior,era sempre assim,não?
O noivo,maldito engomadinho,te olharia com o cenho franzido e sua "censura elitista".
"Típico!" - Você pensaria.
Mas você então,como grande romântico de esquerda,declamaria a todos os convidados um discurso pungente que você teria ensaiado por horas,ela se emocionaria,largaria a mão do sujeito pretensioso e correria para os seus braços.
Seu grande filme,quase épico,seria um sucesso!
Mas você olha nos olhos dela,parada a sua frente e olha de esguela para o padre rústico.
Você sabe que ninguém virá impedir o casamento.
E por que diabos te meteram naquele fraque e o posicionaram diante do altar?
As palavras foram ditas. Ninguém as ouviu.
O rosto angelical sentado na terceira fileira emudeceu,mas quedava te olhando com os olhos caídos e orvalhados,este rosto nunca estivera tão diabolicamente lívido e belo.

Luas



Uma lua na janela que dá pra rua
Não é uma lua,
São muitas.


Muitos olhos a espreitam,
Por trás de sua visão de mundo.
E o mundo também a espreita
Por trás de sua visão da gente.


Uma lua não é uma lua,
É antes um orgão imenso,
Pulsando no organismo silencioso e apoteótico do Firmamento.


A lua é antes um ovo do que um satélite.
É antes um trapezista sem cordas,
Do que um sinal.


A lua que vês pela esquina dos olhos,
Está troçando.
Está constipada e melancólica,
Ou entrépida e voluptuosa.
A lua que vês,
Não é a mesma que vejo.


As luas são imaginárias
E nunca factuais.
São infinitas luas,
Num céu sem dono.

Prece




Deixe-me ficar louco.
Deixe-me consumir minhas artérias
e verter lava dos olhos.


Eu preciso enlouquecer,
Antes que ache a loucura normal.
Eu preciso enlouquecer,
Antes que me transformem em nada
E me aniquilem.


Dê-me seu caos e sua insanidade prodigiosa.
Se o sono é como a morte,
Deixe-me dormir ao seu lado.
Na loucura lúcida dos seus braços.


Encarando o dia
E suas cores fortes.
Esvaindo-se em branco e preto.

Colagem



Gira multidão aflita.
Gira. Vira.
Torna. Embola.
Cresce.Transcende.
Noite transveste-se de flor.
Macieira perdida amarelada e assassinada.
Amargo encanto difuso.
Correr. Planar.
Estar.
Esquece as origens,as entranhas.
Viva no rodapé do mundo.

Peixes



Mesmo alimentando-me do irreal e vivendo a sombra do possível,eu acreditava que você estaria por lá.
De repente o amor destroça suas raízes e não tens mais por solo,o chão.
E mesmo estando submerso no tempo que não caí,você sangra sem saber se dói,realmente,ou se só dói porque disseram que dói.
Sua carne se agita,como se estivesse diante de uma grande sensação ou novidade e sua voz se eleva nas dimensões antes ignoradas.
A noite é vermelha e lembra um animal indefeso morrendo no horizonte.
Eu sabia que os homens peixes viriam uma hora ou outra,com suas grandes patas e com suas orelhas maiores que as mãos.
Eles me levariam daqui e me mostrariam as pessoas e suas vísceras,eu choraria.
Porque tudo seria feio,sórdido e árido como um dia no inferno.
Mas não sabia que eles viriam hoje. Hoje, eu não arrumei a casa para os visitantes marinhos.
Azul.Azul.
Eu acreditei que não viriam,todavia,mas eu ainda tinha tempo pra pensar em algo a servir a eles.
Eu não tinha nada.
Os armários estavam vazios,algumas baratas apareciam,olhavam-me como quem desdenha da miséria alheia e por algum motivo,iam-se.
Estou fechando a casa e me encolhendo contra as paredes frias e ásperas.
Posição fetal.
Não vou morrer,disso sei.
Mas de repente,a amizade parece um monstro azul,que eu tenho que impedir de entrar.

Caco



Desde que a colocaram na caixinha de música barroca,ela tinha desempenhado seu papel perfeitamente e com primasia.
Nunca quis sair dali realmente,talvez ela não soubesse que aquilo ali era uma prisão e que em pouco tempo seus pés sangrariam e seu rosto se cristalizaria em um sorriso grande e belo,mas pateticamente eterno.
Ela não odiava a eternidade.
Queria ficar ali debulhando-se em sorrisos frígidos e sem tom,afinal de que servia a vida se não fosse para mostrar aos outros que sua vida era ótima ou que você era uma criatura especial?
As bonecas de cima do guarda roupa a olhavam com um olhar sátirico,a bailarina apenas continuava dançando seu "Pour Elise" sofisticadamente como um pombo arrolhando,perto dela,ela suspeitava,as bonecas sujas eram invejosas e jamais saberiam qual era a graça de bailar a cadência de uma melodia arrebatadora.
Um dia porém,ela foi posta no fundo de uma caixa maior,algo semelhante a uma casa de bonecas mal feita.
Seus pés já sangravam terrivelmente e ela já não aguentava sorrir mesmo que estivesse fome,sorrir mesmo que tivesse sono.
Sorrir quando mandassem e quando não mandassem.
Não esqueça! Boas maneiras te leverão a alcançar seu próprio reino absoluto.
Embora também consiga-se isso através de sua bela vestimenta e de sua ornamentação com jóias de cores diversas.
Ela continuava não importando-se.
Ela fora fabricada para isso,para brilhar numa bela caixa barroca dia e noite e ser sempre a mesma bela bailarina,não fora feita para o chão.
Precisava de sua caixa ou casulo.
Existem pessoas que não nascem para voar dentro de si.
Ela sabia disso e era feliz no seu mundo eternamente extático e constante.

Deixe-me




Eu sei que sou apenas uma folha solta na tempestade dos seus dias febris,
Uma canção vazia que caiu dos seus olhos e que vôo no seco ar da madrugada.
Um olhar virado ao avesso e uma lágrima pulsando nas minhas mãos.
Uma lágrima que você não enxugou,embora tenha podido fazê-lo.
Seria demais querer seus segundos? E suas palavras doces ou impetuosas,desde que fossem suas?
Não me deixe te esperando por muito tempo,porque um dia não saberei mais esperar e serei um bocado de vento que fugiu de uma janela dentro de você.
Levitando e levitando em sua gravidade até deixar de existir.
Existe pouca coisa em mim que tem sentido ou razão de ser.
Existem poucas palavras que sirvam-me para dizer as incontáveis imagens que se escondem no véu da minha aflita alma quando ouve sua voz particular,um som que só eu ouço e me orgulho por ser a única capaz de ouvir.
Não me deixe perder a audição,me deixe ouvi-lo e sabê-lo,fatualmente.
Deixe meus olhos melhorarem ao avistarem os seus,dê-me seu glorioso remédio e voe ao meu lado para cair de novo e sempre mais,cair e retornar ao topo do mundo.
Deixe-me amá-lo,ainda que tolamente ou bastardamente.
Ou simplesmente deixe-me ir...


Á pedido de Vanessa,ai está.

God



Então, Deus te fez belo e cruel e Deus fez eu me apaixonar por você.Eu não queria.
Mas como recompensa ou talvez,como suponho, como punição, Deus deu sua beleza aos meus olhos de encontro com sua crueldade permanente e suas mentiras.
Deus te deu a luz necessária para me cegar.
Deus te deu um sorriso único com a intenção de me fazer chorar.
Deus me deu um coração pra entregar prontamente a você,porém acho que ele se esqueceu  de te adornar com um também.

Deus te fez belo e cruel,Deus te fez doce e gentil,Deus fez você me amar por algum tempo,Deus fez com que eu te amasse pra sempre.
As vezes,no entanto,eu acredito em Deus.
Isso costuma acontecer quando você sorri e me beija,quando fala preguiçosamente que me ama,quando estamos tão próximos que posso pensar que você é meu espelho,
Quando você completa a canção da minha vida.Quando você me completa.
Quando você dorme na minha cama. Quando ouço seus gemidos e sussurros nos meus ouvidos. Quando você chora nos meus braços. Quando você se entrega a mim.Quando você jura que é meu,somente meu.Sei que Deus,seja ele quem for,ouviu a minha prece.
As vezes,eu não acredito em nada.
Quando você se afasta de mim com outra,dizendo que apesar disso,me ama. Quando você diz que vai voltar logo. Quando eu espero,estupidamente por você,sabendo que você não voltará.
Quando o vejo com ela, e você diz ainda que me ama mais.
Quando você dorme na minha cama. Quando ouço seus gemidos e sussurros nos meus ouvidos. Quando você chora nos meus braços. Quando você se entrega a mim, e se vai logo de manhã,sem me acordar.
As vezes,eu não acredito em nada além de você.


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O original em inglês deste texto,eu encontrei na internet,é de um autor desconhecido,por isso tomei a liberdade de traduzir e adaptar,o texto torna-se semi-meu,e eu acredito muito nessas palavras.

Túnel do Silêncio





Abrir caminhos em meio aos cacos da minha existência pacífica e cautelosa.
Revirar os escombros procurando lembrar de como era minha vida sem o seu sorriso de indiferença e sem sua assistência obrigatória.
Eu preciso recuperar essas asas partidas.
Não quero rastejar porque minhas asas estão sujas e pesadas
Não quero sufocar,porque desde que me colocaram aqui só posso sufocar um grito primitivo e deixar as lágrimas morerrem,sem enxugá-las ou impedir que caiam..
Eu esperava ouvir uma voz,ou ver algo que lembrasse uma luz,mas não há nada no fim do túnel! NADA!
Quando se chega lá,você descobre que tudo é fim do túnel e que não existe um único fim do túnel,mas sim vários,você vai ficar procurando a tal luz e se perder pra sempre.
É só um aviso.
Desde que estou aqui,não me importo se você virá ou não.
Existe algo nesse oceano que não chega até você,apenas toca de leve... não comove.
Eu acreditava existir um farol no teu olhar.
Não há.
É só areia. É só silêncio!
O seu silêncio vai ser seu epitáfio na minha mente.

From Anywhere




Eu sei que isso é uma carta,mas não sei exatamente a  quem ela dirige-se.
No fim, todas as cartas deveriam voar pelas nuvens e pousarem nas mãos de quem precisaria por ventura,daquelas palavras.
Creio,no entanto,que as minhas palavras não são utéis nem a mim,quanto mais seriviriam em caráter autruísta.
Estou escrevendo a você,entretanto.
Acho que depois de muito tempo,não? Você lembra-se da última vez que lhe escrevi?
Faça a bondade de lembrar-se,pois você deve saber a quantas andas a minha inválida memória...
Bateu-me uma súbita ansiedade e se você não se lembrar?
Será possível que não lembremos de nós mesmos?
Devo confessar que pinguei algumas gotas de absinto no pulso antes de começar a traçar essas linhas. Pode me censurar!
Ainda tenho mania de transformar os eventos patéticos da minha vida em aromosa poesia.
Faz muito tempo,isso eu sei.
Eu devo te contar como tudo foi pra mim. Acredito que você gostaria de saber no fim das contas.
Eu tentarei narrar o que posso.
Eu nasci num corpo feminino, prematura,como quem pede para vir ao mundo,ainda que com medo.
As vezes,penso que deveria ter ficado por mais tempo nos lugares pelos quais andei.
Meu pai me deu um nome extraído de um livro escrito por um pedófilo.
Estranhamente o caráter dual da menina do livro veio a revelar-se em mim também.
Então em um dia de junho,eu nasci.
Um bêbe feio,com bochechas enormes e olhos maiores que as bochechas.
E desde então parece que sempre choveu dentro de mim.
Por entre as minhas víceras,entenda.
Eu nunca tive muito o que falar com as pessoas e julgo que você deve saber os motivos,já que eu não sei ao certo.Acho que desde o ínicio faltou-me aquela distinção e brilho pessoal que torna qualquer pessoa irresistível.
Eu não podia contar a ninguém que nas noites de natal,enquanto todas as crianças rodeavam a mesa e espalhavam-se pelo tapete jogando jogos estúpidos,eu me escondia, encolhida na cama,pedindo pra que tudo acabasse.
Eu escutava no escuro,além de todos os timbres indefinidos,a sua voz e podia roconhecê-la ainda que distante. E deixava que ela guiasse meu sono e meu abandono. Assim dormia calma,ouvindo sua canção sussurante de ninar nos meus ouvidos molhados de lágrimas corriqueiras de natal.
Então desde os seis anos,eu passei a ter vertigens. Em consequência do que?
Você pode tentar responder e aproveitar o caminho e trazer-me uma caneca de chá?

Ah! Eu tenho obssesão por chá. De qualquer espécie,sim?
Não sei se tive antes,mas agora tenho e é necessário que você aceite isso portanto.
Sem mais rodeios,eu tinha vertigens.
Na escola primária,eu não pude participar de algumas atividades por ter vertigens.
Eu,porém, imagino que foi alguma força óbvia que dizia ao vento: "Essa não,ela não saberá dançar,pois ela não é graciosa... Veja bem! Olhe de perto, examine os dentes!! É um tanto arisca,não? Esses olhos que parecem discordar do resto do corpo e essas sobrancelhas esparsas e estranhas? Não! Ela deve combinar com as paredes,andar esgueirando-se como um andrajo imundo!"
Por eu te conhecer ( conheço?), você deve estar incrédulo,mas no segundo seguinte,garanto-lhe,estará rindo ao imaginar-me nessas circunstâncias,não vai?
Depois de um tempo, você acaba percebendo que você, na condição pura e elementar de "você", alma,essência,seja  lá que porra for tudo isso,não importa a ninguém.
Você percebe que suas melhores horas foram solitárias,ou melhor, foram na companhia de autores mortos e desconhecidos,que despertam de suas páginas encardidas e vêem te colocar mais pra baixo.
Então você acorda e vê que não sabe diferenciar rostos,parece que já viu tantos,mesmo estando confinada em um pedaço de poço fundo no meio de lugar algum.
Você só decifra vozes e isso te deixa contente.
Foi assim comigo,porque a princípio,eu sempre minto,você deve saber,porque talvez seja isso que tenha me afastado de você.
Se eu fosse uma pessoa exata e calçada nos sapatos do cotidiano,eu poderia estar com você hoje,eu sei.
Mas nasci com o coração terrivelmente explosivo,encolerizado e propenso ao choque e ao fel.
Eu percebo que não vale a pena dançar,se você quer parecer bonito e agradável a sensibilidade alheia.
Eu não quero,jamais,acariciar a sensibilidade de ninguém,não me obrigue a isso, você sabe como terminaria.
Só sou notável quando sou profana,rídicula e imbecil ou quando me revisto de uma das minhas incontavéis capas de proteção contra a realidade. Se você estivesse aqui,eu não precisaria usá-las.
Hoje,eu posso dizer que a música só é música se você pode cantá-la, injetá-la,tomá-la, a sua maneira.Fazê-la correr quente e bombear ar aos seus pulmões,até eles sangrarem na explosão.
Algo como um orgasmo.
A pequena criança feia e irreal que ninguém olhava nos olhos,não mudou muito.Ainda odeia que lhe vistam e tomem-na pela mão.
A pobre louca das cobras voadoras que nunca amou na vida,porque tem um amor sem limites e sem passado pelo desconhecido,continua implorando que não a abandonem numa cápsula solta e que a corrijam as vezes,ela não sabe nada.
E você sabe disso,não?
Eu posso dizer com é estar morta,como é ser uma voz sem nome e como é viver nesse mundo,olhando um mosaico de pequenos e infinitos mundos mágicos ao meu redor, girando lentamente enquanto minhas pálpebras pesam.E vivendo fora do meu lugar,eu continuo aqui,ouvindo seu riso de longe,aqui no frio e ao relento como uma pobre louca cujas palavras ninguém entende e por isso a julgam como louca.
Fria,suja,vil.
Mendigando afeição como um rato de esgoto a rastejar para fora da possibilidade da morte.
Já não consigo perceber se está frio,como está o tempo por aí?
Arde em mim,vela rápida.
Você rirá? 
Se você rir,eu escutarei e terei paz por um segundo inócuo.
Conte as pessoas que sou triste mesmo,que não me obriguem a sorrir e peça que não me entendam e que apenas me dêem chá e mantenham-me longe de janelas.Diga-lhes,que você é a única pessoa que pode me entender e conversar em silêncio comigo.
E que só existo quando escrevo,a parte isso,estou morta.
Eu não sei quem sou,ou quem fui,certo?
Também não sei quem você é.
Isso nunca foi importante,por que seria agora?
Você sabe de onde viemos.
Eu sinto sua falta,realmente.

Intoxicado



Eu precisava tragar em você todo o meu medo, até não sobrar nada além de suor e saliva.
Eu precisava ser carne e sentir sua fome de luz e fogo.
Ver a veia do seu pescoço pulsar ao meu simples toque áspero,como feltro.Ter você na ponta da língua e na veia errada da alma.

Eu sentia meu corpo desfalecer e reinar como um astro longíquo nas suas mãos receosas e pálidas e soberanas,a aspereza do dia,presente nelas e meu líquido seminal que escorria pelo seu alvo pescoço adornando seu colo e suas pernas e tudo,nos enroscamos como pequenos animais recém nascidos,pulsando como  o mar que rebenta na areia e lambe suas pernas de noite,levando seus suspiros de manhã.
Ver seus olhos através de um véu de choque,frêmito,insanidade.
Seus dedos repuxando,torcendo os fios dos meus cabelos,largando o mundo ali.
Descobrindo o mundo ali,estando em suas mãos, à sua mercê.
Vingando e tendo por fim a dor. Quem agora está nas mãos de quem?
Sentindo a dor e o frêmito físico,ultrapassando a verdade mortal,indo além dos Andes e do Oxigênio.
Respirando e sabendo que poderia ser a última respiração da minha vida e sorrindo internamente,tão insuspeitavelmente feliz por isso,tão completo,no pequeno círculo da vida particular,tão gloriosamente acima e álem de todos os outros.
Exaltando a vida em seus olhos.
Sentindo  todas as guerras humanas em seu toque pornográfico e homérico,sujo e impróprio.
Saindo pela boca,todos os gozos de todas as prostitutas romanas e egípcias.
Sentindo a carne arder,formigar e querer um som tão humano e inevitável.
Voar pelo infinito apenas olhando os finos raios de  suor deslizarem pela linha da sua testas e sentir sua respiração desregulada a invadir meus ouvidos,entrar pela minha cabeça e dominar todos os meus sentidos,já atordoados e por fim intoxicado pelo seu cheiro de uísque escocês,dormir com os olhos nas constelações que brilham nos seus olhos de amêndoa e canção.
Mais.

Transregressão



E de repente seu coração explode,não importa a hora nem o lugar,
ele simplesmente entra em uma circulação anormal de sangue,
o que deveria ir para o lóbulo frontal ou para cortéx saí por uma veia errada e você tem um surto.
Não qualquer surto,veja bem.
O derradeiro surto,aquele que fará você aproximar-se de Deus,se você acreditar nele, ou de qualquer revelação absurda de uma seita tendo ela preceitos ou sendo baseada na idéia de faça sexo com os iniciantes,induza-os ao crime e ao abuso de poder.
Então você está lá.
Diante de Deus e ele  poderia acusar-lhe de ter sido um mal menino,ter deixado a sopa esfriar,de ter puxado as saias da sua tia no meio da Igreja e sobre tudo de ter sido negligente com o amor.
Mas não,ele apenas sorri abertamente,ou ao menos,você supõe que aquilo seja um sorriso,Deus tem lábios então? Você continua pensando as costumeiras obcenidades.
Afinal,morrer não é tão diferente,pelo menos na forma de ver Deus.
Ou a sua própria forma de vê-lo.
É estranho que Deus,infinitamente bondoso e justo,não tenha te acusado de nada ainda,se existe justiça no mundo,você deveria pagar todas as suas boçalidades,não deveria?
No entanto,como aquelas imagens que estão onde não estão,não estando na verdade em lugar algum e deixando aos outros o encargo inglório de imaginar onde elas possam estar,Deus sorri.
Não um sorriso soberbo ou conhecedor,um sorriso simples. Um sorriso infantil até.
Sua paciência some e você ponhe-se a berrar contra as fuças de Deus.
Ele acompanha  seus movimentos exaltados sem esboçar qualquer sinal de reação.
"Patife" Você pensa.
Depois de sua garganta arder, fato realmente curioso, ele cuidadosamente levanta seu rosto e fala despreocupadamente,como quem faz isso sempre.
"O pecado é uma coisa a toa que vocês inventaram pra se divertir e pra dividirem-se em amontoados humanos,meu caro. Não há nada a que você deva temer. Na verdade, você deve temer a chuva que vai desabar quando estiver voltando pra casa..."
"Como assim,eu vou voltar? ... E a chuva? Você é Deus,não é? Não pode fazer com que ela não caía,simplesmente?"
"Primeiro,devo dizer,que vocês humanóides,me dão trabalho de mais,talvez eu pegue umas férias algo assim, e o senhor,em especial,rendeu-me belas dores de cabeça,mas você vai voltar e já sabe toda a história de como-se-fazer-para-concertar-tudo,por isso não vou dar conselhos a você,não mesmo. E meu caro, eu não posso controlar a Natureza,ela é uma mulher indomável,ninguém pode contrariá-la,porque achou que eu poderia?
"Certo".
Foi a única coisa que você disse antes de sentir o gosto do sangue escorrer pelos seus lábios.
Então abrindo os olhos vagarosamente,você avistou aquele-tal-rosto-familiar e fechou novamente os olhos sentindo que com tudo apagado o toque era muito melhor.
"Hmmm..."
"Estava preocupada" soava realmente aflito. " Digo,nós todos estavamos,você sabe...não só eu,quero dizer,mas eu também estava,enfim..."
Você podia imaginá-la toda irriquieta passando nervosamente as mãos pelos cabelos negros.
"Eu nunca mais quero ser um Deus." Você diz,ainda de olhos fechados.
"Por que?" Você imagina seu sorriso especulativo.
"Ele é muito limitado e também tem dúvidas".
"Eu amo você!"
Desta maneira,você sabe que valeu a pena,no final de tudo,não ter aprendido nenhuma lição e ter sido um péssimo garoto.

Canela e Sal



Pegue seus tristes sonhos e vá pra longe de mim.
Eu não consigo mais ter pena e a partir de agora eu vou pescar tolices em outro país ou livro,
cancei de pescar minhas tolices em você.
Não vou mais viver a sombra dos seus gestos e do seu tato.
Vou crescer em mim.
Porque eu não tenho pena da sua boca prostituida e cheia de injúrias e dos seus olhos enlameados de caridade falsa.
Eu vou para o longe e para o fundo.
Eu vou sábio,são e tremendo em frenesi.
Sua tortura será meu gozo escorrendo pela cama.
E no teu beijo perdido,hei de escarrar e morder até ver o filete de sangue escorrendo.
Ter seu fluido de dor na memória e dormir ostentando um sorriso galhofeiro nos lábios salinizados.

Indisciplina





Fechar a janela pra impedir a chuva de entrar,quando tudo o que eu mais queria era ser a chuva que cai sem procurar entender por que cai,e sem parar para ouvir quem reclama de sua passagem.
Fechar a bagagem feita as pressas e partir de mim,nunca mais me  encontrar nessa vida e viajar sem ter a dolorosa missão de me encontrar em cada esquina.
Conhecer um pedaço de tudo sem ter que sentir o peso de ser indiscutivelmente e lastimadamente eu.
Estar em tudo e em todos,como um som agudo que não pode nunca ser ouvido,saborear um pouco da onipresença,da magnânima dádiva de ser um deus.
Mas tenho que fechar a janela e fechar meus sonhos num cofre que não existe,depositar meus sonhos inconfessos dentro do baú que eu gostaria de ter e não tenho.
Adiando a vida que poderia ter sido,porque tudo é tão cansativo e não viver por sentir que já excedeu o que devia de vida.
Rumores insanos do passado caem sobre minha  franca inércia e tudo o que fui revelá-se com tanta clareza que fico a indagar-me se não poderia ser melhor se houvesse uma figura de linguagem aqui e acolá ou uma inversão sintática,para que minha alma suja e cheirando a cinzas não ficasse tão vertiginosamente exposta.
Mas eu preciso fechar a janela e isso está longe de aproximar-me do mistério da vida e de afastar-me do porto interno,para que eu pudesse ser a chuva,ou alguma coisa além.

The long and winding road




A gente ainda não sabia quanto tempo levava-se para alcançar o céu e quantas vidas eram necessárias para entender-se a façanha única de uma lágrima solta no ar.
Fazia frio e nasciam flores nos pântanos imersos  no manto silencioso da noite,eu sentei-me a beira de mim e não conseguia muito bem articular as palavras ou a poesia inerente aquele segundo preso no tempo,um tempo que passaria,como lhe era característico.
Eu estava prestes a mandar a minha ternura pela vida para os diabos e apenas deixar meus olhos e pés arderem tanto quanto deviam.
Não queria ficar ali,estagnado,preso,incompatível a mim mesmo.
Não queria ser apenas aquele que tinha sonhos errados ou que pior,as vezes,com a casa rodando em um louco tango,dormia pesado,sem sonhar.
Mas não existia ninguém mais ao meu lado.
Nem o pequeno ermitão da floresta que costumava seguir-me de perto para certificar-me de que não estava bebendo ou falando impróperios em demasia. É,talvez, mesmo ele houvesse me abandonado.
Entretanto,na geada imóvel do que não tinha vindo ainda,lá ao longe,numa dimensão fatídicamente perdida,eu vi uma estrada.
Uma estrada que eu guardava,mesmo tendo a mente mofada e os sentimentos cardíacos reduzidos a nada.
Era o caminho mais importante da minha vida,um lugar quente como o útero e a mente,quando perdida.
O velho portão de ferro permanecia lá,embora um pouco destroçado pela ação do tempo,mas ele estava intacto na minha lembrança,minha lembrança quente como uma prostituta verdadeira e púdica como uma virgem em toda a sua candura.
Era como redescobrir o mundo,era como o mundo pedindo para que fosse explorado,de novo.
Eu não tinha medo e era fácil supor que alguém como eu teria medo diante de qualquer coisa.
Acontece que eu não tinha,talvez um breve espasmo por imaginar que talvez fantasmas pudessem habitar ali.
Muito embora,eu mesmo julgasse que talvez,se um fantasma me aparecesse eu pediria para que ele ficasse e lhe mostraria a estrada dos meus desvarios,ou então pediria que ele me tomasse pela mão e me levasse para a sua casa,então eu acordaria em sua cama e veria uma xícara de chá perto da mesa de cabeceira e o fantasma estaria sentado na mesa da cozinha,que eu veria pela fresta da porta,lendo um jornal do dia?
Eu sorria diante da perspectiva exdrúxula,até cair em um pranto entre alucinado e trêmulo.
Eu gritava pra mim,mas parecia que alguém muito ao longe ouviria,essa idéia me agradava.
Eu estava na sua porta novamente,sem a chave.
Mas eu havia voltado,como eu sempre disse que faria.
Onde você está? 
Era uma pergunta que ficava na entrelinha do meu cansaço e do meu medo.
Eu tinha o direito de sentir medo,e como.
Eu sabia que tudo estava seco,mas havia a estrada e enquanto ela estivesse ali,eu continuaria a segui-lá,como se através dela eu pudesse encontrar novamente o que fui e na contra-mão,talvez você estivesse na porta me esperando com uma xícara de chá e uma toalha para eu me secar dos restos de chuva e saudade.


The long and winding road - (The Beatles)
Composição: Lennon/McCartney

Nudez




Ela detestava bailes de Carnaval.
Tudo era simples,era só não pisar nos terríves salões que realizavam as célebres matinês.
No entanto,como algumas coisas são feitas pra dar errado e sempre parecer que são as melhores coisas,Isabel foi.
A noite,ela odiava admitir,exercia sobre ela uma hipnose generalizada,que a fazia sentir gosto de melancia no ar e um estranho calafrio nas articulações.
A rua parecia uma mulher bêbada e não dava pra se saber ao certo onde poderia parar quem se atrevesse a se entregar a ela,ainda que alma não estive pronta para encarar uma quaresma  cármica.
As marchinhas deveriam ser alegres, ela pensou ao ver a cantora contorcer-se em agudos no palco improvisado do clube.
Casais davam seu último abraço de carnaval,nenhum deles passariam do carnaval.
Crianças cantavam tristemente a canção da vida de maneira errada para se absolverem da inôcencia de não pedirem nada.
Inôcencias costumam ser tratadas por crime,principalmente nessa época do ano.
E por trás de toda a serpentina,ela sufocava.
A roupa colava-se a epiderme e exigia ser incorporada.
" Vamos! Seja um demônio como eu peço que você seja!"
Ela cruzava as pernas e sorria afetada para um homem das cavernas que passava.
"Isso! Saia dessa mesa! Você é bela e o mundo lhe pertence! Tome -o!"
Ela sorria para o salão e seus olhos brilhavam com um fogo estranho,o que não pertence a ninguém.
As luzes estonteavam e a bebida torcia seus olhos em tunéis enquanto um forte clarão amarelho formava uma cortina ao seu redor.
Então emperatriz de si mesma, ela saiu do salão ao lado de anjo ao som da valsinha enquanto algumas pessoas dividiam a felicidade gratuita de estar ali simplesmente,sabendo que nunca mais veriam o mesmo clarão amarelo.
Um sopro de brisa pode ser seu último contato com a vida.
Na manha seguinte havia um corpo estirado na cama de um hotel na beira de uma estrada.
Não era seu corpo,era o corpo de um demônio.

She is leaving home




Antes que a casa amanhecesse,ela partiu.
Eram as primeiras cinco horas de uma quinta feira,não que ela desse importância ao fato de ser quinta feira,como alguém que escolhe dias para fugir.
Ela somente,tinha que partir e cedo ou tarde isso ocorreria.
Não chovia. Insinuava-se no asfalto da rua uma neblina indecisa,ora quente ora fria.
As pessoas tem um certo mistiscismo quanto a chuva.
Costumam pensar que ela passa. São tolas.
Pois a chuva permanece,ainda que garoa, intrépida na memória.
Todos vão se lembrar de um dia de chuva uma vez na vida.
E por isso,ela estava feliz de não chover naquele dia.
O fato não poderia ser colocado como " inesquecível",portanto.
Chuvas são lembradas.
E ela queria que aquele dia fosse uma página abandonada do calendário do esquecimento. Ela ensaiou um sorriso débil diante da idéia,aquilo era uma choça que só ela conhecia. Um segredo verdadeiro.Queria esquecer e ser esquecida,então tampouco deixou qualquer tipo de carta aos pais.
Não se fazia necessário. Ainda que seus dias tenham sido ternos enquanto morava ali,ela sabia que partiria.
Todos sabemos que não se pode pedir a uma borboleta que pouse na macieira e demore-se mais do que lhe permite suas asas ciganas.
Embora não se falasse sobre isso,todos na mansão Flannigan esperavam a hora da partida do pequena feiticerinha que andava pela casa camuflando-se a decoração vitoriana e murchando como uma flor selvagem quando colocada na redoma mais intocável e guardada numa estufa fria.
Era dia alto, em uma estrada perdida e sem acesso,a ruiva imperiosa com porte que faria tremer qualquer Jezebel ou Messalina,caminhava em fúria  finalmente liberta enquanto cantarolava alguma canção sobre diversão e deixar o lar.
Parecia não se importar com os paralelos da letra com sua própria e recente história.
A única coisa que podia interessá-la era a melodia que a fazia tremer e curvar-se em suspiros. Ela seguiria a melodia,mesmo que tivesse que recusar todo o conforto de seu pequeno castelo de bonecas.
E quem precisa de castelos com uma estrada inteira pela frente?
E o mundo inteiro girando em um ritmo frenético?
Quem?


"Fun is the one thing that money can't buy"





 She is leaving home ( The Beatles)
Composição: Lennon/McCartney

Suspenso




Chove  o corpo
e não chove nada
secou em mim e alagou a estrada


O lado perdeu o lado.
Tudo em vão.
Na mesma derrocada.

Voices



             
Provisoriamente seria chamada de  "A tenda".
Era um nome direto para uma idéia que pretendia ser tão subjetiva.
Ele estacou os pés e mesmo que quisesse fugir,eles obrigariam-no a prosseguir,mesmo que fosse evidente que seu desejo era seguir e seguir.
E se a tenda não tivesse chão e se flutuar em vez de proibido fosse necessário?
A ele restava a certeza de que todas as suas certezas íam dar em lugar algum.
Era um circo.
TRUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUM!
Mil imagens de imagens tortas passeavam no ar como uma centrifuga de sentimentos sujos
e íam cair em sua boca sedenta por mais.
Lá fora alguém mastigava sua comida requentada  e sua insatisfação condensada em urros em mesas de madeira podre.
Um padre ouvia em silêncio treinado um pecado que ele não culpava e sorria pela culpa de saber mais que a fariséia sentada a sua frente,saber o suficiente para acreditar que não há pecado.
Um suicida escrevia sua carta derradeira dizendo que não era louco como todos julgavam e que apenas queria queimar a lua com o fogo de um fósforo,para que ela tivesse luz e não precisasse tomar emprestada do sol.
Dentro da tenda,ele observava o mundo e o mundo era uma cigana fedendo a insenso e volúpia que o encarava com perversidade e pedia para que ele se aproximasse da sua mesa repleta de utensílios miraculosos.
O que ele não deixou de admirar-se ao sentar a mesa foi a falta de um objeto que ao menos ele,julgava imprescíndivel, a bola de cristal.
A cigana leu a dúvida e respondeu-lhe que boas ciganas não precisavam daquilo,oras.
Ele preferiu não estender o assunto,que ao seu ver,era incômodo.
Logo,a mulher explicou que ela preferia ler os olhos de seus clientes.
Ele pensou em dizer o quanto essa coisa de olhos era clichê e ultrapassada,mas algo no modo como ela mexia seus maxilares evidentes desencorajava tal ato.
Ele permitiu-se pensar em como tudo era significativamente inesperado, a segundos ele não sabia se iria para a casa da tia comer uma torta ainda quente e ouvir seu primo tocar orgão numa sessão angustiante de " nossa ! como ele é genial" ou " Veja! Lúcio! Deveria ter o talento do nosso Maurício".
Esse "deveria ter" o deixava em um estado emocional dilacerante que nunca chegava a abandoná-lo por completo.
Ali parado diante uma velha louca,ele sentia que, finalmente,respirava e apenas sentia,sem ter a obrigação de "ter"...

-Esse parque ao seu redor sumirá,você sabe?

A voz rouca e musical da velha cigana retirou-o de seu massacrante interlúdio.
Sumir, talvez dissolver - se em nada e fundir-se ao nada.
Aquilo parecia tão promissor e honesto e sutilmente feliz.

-Sim,eu sei.

Não cabia em si. Sentiu uma estranha ternura pela velha senhora iludida,que passaria a vida a base de "provavelmente" brincando de rir dos seus própirios vícios.
Lançou algumas moedas a mesa,deixando dois pares de olhos estupefatos.

-Não entendo mais esses garotos de 23 anos. Acham que tudo o que uma nomâde fala é lei escrita nas tábuas de Moisés!

Arrastou uns passos enquanto desfilava uns improprérios até seu quarto no fundo da tenda.

A luz de repente  parecia ser mais forte.
Como após um longo período onde estivera enfermo,parecia que só agora voltava a vida.
De fato.
A medida que tentou ensaiar alguns passos até a barraca de tiro-ao-alvo,as pessoas começaram a perder as faces e depois as roupas e depois tudo ao redor dissolveu-se em nada continuamente nada.
Restaram as vozes. E essas o acompanham até hoje.

Cartas de ninguém




-Como elas chegaram aqui? - Perguntou Arabella a irmã mais nova,seu expressão suave parecia dissolver-se em uma série de movimentos alternados.
Garganta. Pálpebras.Lábios ressecados. Em uma súbita paralesia emocional agitada.
-Como... elas... chegaram? Diga-me! - Tão seco como um soluço sem som.
A irmã nada respondeu,sabia que a zanga de Arabella passaria logo,sempre ocorria o mesmo desde quando as cartas começaram a chegar.
E Arabella sabia que a pequena travessa estava pensando nisso,era estranho pra ela poder saber exatamente o que pensavam sobre seus atos pouco comedidos e sensatos.
Tudo havia começado em um dia qualquer perdido no calendário enfadonho do tempo.
Perdoem-me a desilusão,mas era sim,um dia como qualquer outro.
Nem todos os eventos grandiosos são fadados a acontecer em datas ilustres,salvo engano.
Seu pai já tinha tomado seu café e esquecera o jornal,como o habitual.
Sua mãe gritava um palavrão qualquer pela saída repentina de seu pai,ou talvez pelo amor que já criara mofo e cheirava a naftalina.
Chá esfriado. Cão latindo. Som do sol.
Ela tinha corrido até o portão para ver se alcançava o pai e lhe entregava o jornal que ele esquecera-se.
Era nessas corridas matinais que ela,geralmente,encontrava-o dobrando a rua 15 e depositava um beijo estalado em suas bochechas fartas seguido por um : "Bom trabalho,papai."
Mas neste dia qualquer perdido no meio das datas célebres,tudo foi diferente.
Supostamente, seu pai apressara-se pois estava atrasado e ao chegar a esquina,ela  não juntou-se a ele.
Voltou pra casa com os olhos rasos,sentindo o que naturalmente sente-se ao quebrar-se um ato de fé,um ritual da vida comum.
Vento.Porta de casa. Caixa do correio.
Meio entre aberta,chamando a menina pra saber o que haveria lá dentro.
Arabella sentiu as mãos queimarem sobre a carta.
Era tão simples.pequena.
A menina sorriu ao ler seu nome no envelope.Uma carta destinada a mim?
"Queria ver o que Lourdes diria agora",pensou ela, não sem certa malícia a idéia de que fora a primeira entre suas amigas a receber uma carta exclusivamente endereçada a ela. 
"Nessa idade as crianças são mais  inimigas que amigas" Era o que explicava ao seu pai toda vez que chegava em casa machucada,em consequência de alguma briga no colégio.
Então era assim,ser amada era como receber um carta sem remetente e confiar no seu conteúdo?
Arabella,Arabella... estaria preparada para isso?
Noite. Grito. Doença. Ar quente.
Essa foi a primeira de muitas cartas que viriam a parar em suas mãos.
Cada qual por maneira mais estranha que a outra.
Uma chegara após um piquinique com Dolores e Branca.
Outra veio num avião que sobrevôou o parque.
Uma terceira após uma sessão no cinema da rua do Cassino,e ela que pensara que nada seria mais interessante do que James Dean naquela tarde.
16 anos. Discos. Festas.Cartas que não chegam.

-Como... elas... chegaram? Diga-me! - Tão seco como um soluço sem som.

Silêncio amortecido. Luzes.

 - Depois de tudo,ele vem me dizer que não existe. Que fantasiei tudo...

Eu vi as cartas,li  uma a uma! - Suas palavras suspendiam-se no ar,fazendo acrobacias trágicas.
- Eu amava receber essas cartas,era como um gole num líquido quente e doce  com gosto de campos de lírios,eu sei que isso é... real.


Decidida em sua constatação,subiu os degraus pesados em busca das cartas que guardara em um pote de mel do lado de sua cama. Estariam todas lá e ela saberia que era tudo tão real quanto sua razão de acreditar naquilo.
Choque. Chão.Tremor.

 - Deviam estar aqui! Eu podia jurar...


Potes vazios. 

Arabella encontraria em toda a sua vida,potes vazios esperando que alguém os enchesse com cartas de ninguém.

Dúvida





Uma porta.
Era a pergunta e a reposta que eu tinha a minha frente.
Desde quando ela estivera ali sem que eu lhe desse um resquício da minha frágil atenção?
Não fazia muito sentido que tudo tivesse que fazer,obrigatoriamente sentido...
Qualquer tolo se contentaria em dizer que a porta estava ali porque deveria estar e que as indagações questionáveis deveriam parar por aí,mas eu deveria saber.
Estive parada naquela sala por tanto tempo e não tinha idéia de como a porta instalara-se ali.
Mas ela continua a desafiar-me como uma Esfinge. Surda. Terrivelmente humana. Cruel em sua paciência e dissimulação.
Eu queria questioná-la sobre as lágrimas que rolaram por sua madeira velha e os golpes que já havia recebido e calada,consentido com isso.
Mas meus olhos contentavam-se em aceitá-la como um fato inexorável ,uma força da natureza que existia para dar razão as minhas dúvidas... ou antes um alívio ao meu cotidiano leão.
A conclusão óbvia de tudo era quase irônica: Uma porta.



Para a garota com olhos de caleidoscópio,An.

Velas de junho



Num dia de junho, eles olharam-se.Se fosse abril ou dezembro tudo correria como todos os dias banhados de rio.Os meses tem uma certa vida que lhes é muito particular.
Sendo junho,todavia, existia uma febre a velejar nos olhos dos jovens.Suas íris cruzaram-se como duas notas perdidas até então,que encontrassem uma a outra e formassem uma melodia.
Não era fácil amar num dia assim,um daqueles em que o mistério o ar e deixa seco os lábios os viajantes.
De fato,chegaria o tempo de resgar as velas,restando um vento de curvar a espinha.
Mas ele a viu entre todas as suas angústias e ela assemelhava-se a um hiato no tempo.Ela era uma pausa brusca na respiração,uma mão serpenteando sem rumo. E ela não percebia.E ele precisava dela.
Será que tudo não passaria,por fim, de um espectro invísivel que desapareceria deixando suas mãos caídas e seus pés em órbita?
Logo,riscar o papel não era mais prioridade.Descobriram tintas novas e tons brilhantes que ofuscavam a mente.
Possuiam o universo todo quando se alojavam um no outro. O dia nascia feliz por compreender a natureza e deixá-la existir. Chegou o verão.
Não aquele do ano. O outro,que nasce das células. Chegou,soprou tudo.
Era necessário ter fome de vida e comê-la exaustivamente até vomitar os dias e meses.
Era preciso acreditar no amor,ainda que na contra mão ou numa estrada de pranto e pó.
Ele tinha tudo dela nos lábios e sua cútis tremia a cada toque e palavra,fosse morna ou fria.
Ela era a areia que queimava como salamandra.
Ela era cada meio sorriso afetado. Cada grau de seu magnetismo e de sua sensualidade cáustica que gerava um domínio surdo em cada pessoa que a via.
E ele a amava.
Amava porque queria ser suas mãos e dentes,porque precisava tomar o ar ao seu redor.
E porque não poderia jamais odiá-la,amou-a com a fúria de um gladiador que depende de um aceno de mão.
Seu amor rancorizado era inevitável como um golpe último.
Ele a amava com todo o ar de seus pulmões e sobrava pouco para si.
Não existe amor na paz. Tão logo,ele descobriria isso.
Apesar de estancar os ferimentos provisoriamente,o algodão não cicatriza as chagas.
É preciso flamejar ou nunca será junho outra vez.

Vitrine cega




Falta-me um sobrenome.
Falta-me uma estória retirada de um best-seller imundo.
Eu tenho água nos pés 
porque meu banheiro 
não está sempre seco,
Eu não quero sua simplicidade bibelô
pra ser exibida por caridade.


Posso correr avenidas em mim
e chorar verde em um céu translúcido.
Você não.

Curva




Eu preciso de cada gota sua,
Antes que tudo fique branco e eu não possa mais identificar se o céu mudou
Eu preciso porque se não minha vida será apenas essa canção inacabada
Como são todas as canções de todos os lugares do mundo
Eu preciso de cada verbo vindo da sua língua tácita,
eu preciso de cada instante da sua  aura incerta
eu preciso ter você quando eu quiser
eu preciso de todas as pessoas em uma.
Eu preciso da tua dualidade ritmíca,incandescente e do seu desrespeito
Não me deixe agora,quando eu posso desistir de tudo
e você sabe que eu posso desitir de tudo.
Dê-me uma dose,porque eu estou na pior.
Injete sua violenta poção nas minhas artérias,não vou resistir.
Sinto tremulamente a falta consentida da sua beleza helênica,da sua graça vulnerável.
Então você me olhará quando eu estiver ausente?
Dirá que me amava quando eu estiver perdida numa nuvem de rancor?
Está quente e eu rezo pra piorar.
Diga-me, você estará na curva?

Como deveria ser




Então,em cima do piano havia um copo de veneno,
mas ninguém morreu e não poderia haver culpados se a causa da culpa não existisse.
E todos se culpam o tempo inteiro e não se culpam quando deveriam.
Você acaso sabe o que pessoas sujas como eu fazem a noite?
Você tem certeza que aquilo que eu leio em você é certo e justo? não é.

Depois que vi o infinito,não quero ver menos.
Creia-me,não posso ter menos.

Hipóteses



Estava doente.
Quanto a isso,não restavam dúvidas.
Mas era tão jovem,tão doce,tão cedo,que pensaram que a doença pudesse esvair-se,como qualquer problema cotidiano.A doença,no entanto,era mais forte que a sede e calava suas frágeis resitências.
Ela não aprendera como ser imune a vida.Ser imune a vida é algo que só é fácil para os coveiros e os santos,apesar de alguns enganos.
Ser imune a vida é próprio dos psicopátas de vitrine e das Igrejas.
Ela não tinha medo da doença,pelo contrário,agora ela podia receber bolo de mel e chá fumegante na cama,enquanto seu irmão ensaiava passos trôpegos na neve,a caminho da escola.
Ela não podia atinar o motivo pelo qual todos ficavam solenes  e graves quando a viam e sentavam para conversar com ela a beira da cama.
Queria dizer a eles que já aproveitara tudo da vida e que agora, só queria saber das nozes que su vó a trazia todas as sextas a noite.
E dizer também que não iria para o céu,porque já estava dentro dele e sempre esteve e que o verdadeiro "Inferno" era o quarto onde havia ficado como uma ermitã por dois meses,onde o "Diabo" vestido de azul e escondendo a face (como todos os verdadeiros demônios fazem) com uma máscara  entrava para lhe aborrecer.
Ela aguentou tudo pacientemente,com o tipo de paciência tão sensata que chegava a parecer mórbida.
Ela apenas jogava cartas e dados com a Morte,que segundo ela,era um moço com um constante ar zombateiro de quem acabou de roubar um pedaço de queijo da geladeira e com um sorriso pintado de infinito,que usava uma gravata borboleta amarela,um terno azul e um barco de jornal na cabeça.
Sempre que a menina ganhava o jogo,a Morte lhe concedia um dia a mais.
Ela era boa nisso,por isso colecionava dados e dias.
-A vida depende desses jogos com a Morte. - Dizia com semblante carregado,para logo após cair em um riso convulsivo.


Ela sabia que ía morrer.
Não tinha porém a certeza tola dos doentes e sim a certeza óbvia que todos nós temos ao morder uma maçã e saber que ela expelirá seu suco agridoce em nossos lábios.
Acaso alguém ousaria dizer que já mordeu uma maçã seca?
As maçãs estão sempre a chorar.
Ela,entretanto, não chorava.
Mesmo sabendo que a vida brilhava em cascatas lá fora.
Suas lágrimas eram tão essencialmente belas,que ela as guardava para si.
Ficavam ali,presas entre suas retinas imóveis.
Somente ela tinha posse delas e possuir era algo que sempre a encantou em particular.
Possuir tudo quanto lhe era permitido.
Lastimava apenas que não pudesse possuir as gotas de chuva de Maio,por que por mais que pudesse retê-las entre as mãos,elas não se tornariam cristais nem sequer tingiriam a ponta dos seus dedos de azul.
Então ela contentava-se em tê-las sob o olhar por um segundo doce,do qual resultaria a queda das gotas e um dia, a queda última das mãos.
Mas a pobre sabia que indubitavelmente,morreria.
E quem disse que conhecer a Morte prepara para a vida,não conhece nem uma nem a outra.
Dentro daquela abstinência permanente do desconhecido,
Vivia ela.
Confinada no território íngreme do seu espírito turbulento.
Aprendera a conversar com bonecas sem cabeça e escutar ainda que sem ouvir,suas canções de natal.
Aprendera a ver a neve estender-se  até onde permitia seu olhar.
A neve era um convite tolo a felicidade.
Seus pés não cediam ao frio,podia sentar-se a beira de um lago congelado e afundá-los nos flocos de neve,sem que isso alterasse em nada sua temperatura.
Nunca fora passível a dor.
Sua aceitação a morte,era cercada de um misterioso respeito a vida e as lágrimas.
Porque,para a menina, ocupar espaço no mundo cheio de grandeza,já era algo memorável.
Vir ao mundo e aspirar seu hálito soberbo já compensava a dor de ter nascido.
Nascimentos são tristes.
Morrer é fácil.
Não existe dor após a dor.
Quando se morre,acaba-se.
Quando nascemos,ganhamos o mundo de presente... sem pedir...
Tatear a vida enquanto cresciam as hortas e as crianças.
Ter essa fome de qualquer coisa e qualquer coisa fugir.
Ter este sopro de vento na cabeça e um cofre ,no lugar de um coração...
Ainda que míudo,inócuo,sem tê-lo realmente.
Mas a desgraçada sabia que ía morrer e por isso sorria,ocultando nos lábios a fragilidade do ar e da vida.
Seu sorriso era o último rastro de mistério em um mundo revés e verde.
Sem o sorriso não existiria o sol,a maçã,não existiria a fome e a saliva.
Nem sequer existiria o existir,então todas as existências não existiriam e não existir deixaria de existir,inexistindo eternamente.

The Answer



Eu não me contenho em mim,
As vezes tenho vontade de escapulir pelo meu ouvido 
E entrar vagarosamente pelas cordas de uma harpa

Sem interrupções,invenções ou aborrecimentos dos dias de hoje

Sem o sorriso treinado e polido para impressionar.


Só estar lá,
Tendo como única companhia,
O som e o eco.


Sem as mentiras dessa gente tão sincera e justa.
-Mostre-me sua cara! - Eles dizem.

E eu replico:
-Mostre-me seus rins e seu diafragma.
Então saberei se suportam a força do grito.
Porque eu sou esse grito vibrante,
Sem ritmo algum,
que sai cético e reticente,mas que não posso reter.

Botóx



Quanto vale a vida?
Sentir o vento? Sair de si?
Toda vida sonhada que resultou em vazio?
A beleza presente no aspecto horrível.
Estética.
Ah! Se houvesse plástica cerebral!
Se um bisturi pudesse expelir  de dentro da gente o feto da ignorância...
Talvez aplicar botóx para retocar e distorcer as marcas da falsidade e da falat de ética.
Comprar felicidade! O ingrediente principal da fórmula secreta da cerveja.
Vencer a repugnância e atravessar os becos e subúrbios vazios dentro de si.
Trombar com o seu medo que encosta um revólver na sua cara.
Sim,agora você desejaria um silicone que aumentasse o seu nível criativo.
Ética?Poética? Política? Anti-arte?
O bom mesmo é a Estética!
Que transforma o horrendo em belo,
Tão belo que não há espaço pra mais nada.

ahn?

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