Mirror




Olhando-me,
Percebo que minha pele mudou,
Meus olhos mudaram,
Meu coração dilata menos.

Sou apenas memória.

Perto



Não era uma obrigação estar ali,não era e nem deveria ser...
Apenas,as tardes ali tinha um sabor estranho que ela não podia saber se era de terra ou de ar.
Mas era de alguma coisa viva,que nunca poderia explicar,mas que ficaria com ela por muito tempo.
Já não sentia falta de suas bonecas ou de seus brinquedos de madeira gasta,queria somente estar sentada observando seu espírito convalecer sob sua complacência.
Por que se importar? 
Ela fugia desse tipo de coisa,assim como as gotículas de chuva escorriam pelas cortinas amareladas.
Restava a ela saber que estava com muito cíume e muita raiva da noite.
Que impaciência poderia mostrar-se maior do que aquela de conhecer-se sem poder afirmar ao certo que era aquilo mesmo?
De não corresponder a certas expectativas tolas que criavam para entretê-la?
Sua imensa vontade de esvair-se parecia saturá-la de ar frio e asfixiá-la aos poucos...
Ela precisava de novos sons ou talvez uma nova vontade,mas isso,ela bem sabia que demoraria a voltar a ter.
Aquele tempo estava sendo fatalmente difícil.
Talvez os pássaros não voltassem a andar pelos ares e os ursos não hibernassem.
Se houvesse fogo,entretanto,ela estaria lá.
E diria ao pé da montanha:
Por estar cada dia tão perto e não lá,perdoe-me.

Cereja,Morango,Kiwi e Tangerina




Eu posso não ser bela,mas eu tenho cerejas nos olhos...
e se de repente o mundo não for nada além de um kiwi gigante que se refugia do vento
Será preciso ver outra cor que esteja fora de você?
Não,ao menos para mim.
Todas as cores que eu quero estão bem aí,no colorido das suas mãos e no gosto de areia das sua palavras pouco honestas.
Eu tenho na minha cartola sete cartas e um veneno intitulado solidão,acho que ninguém provará,mas isso não faz importância alguma pra mim.
Só quero que você me acompanhe para o novo jardim secreto,para a nova Sodoma.
Lá poderemos rir dos tolos e depois brincar de esconde-esconde em torno de Queóps.
Você vem comigo?
Terei que esperar seus olhos tornarem-se tão encerejados como o meu?
Eu te serviria ambrosia numa folha de uma árvore qualquer em lugar nenhum.
Você entende que isso não é pra ter sentido...
 

Você sabe que só estou pedindo aquela coisa de dentro e um pouco de energia.
Talvez eu só queira um pouco da sua respiração.
Venha comigo,lá existe aquele campo vermelho que sonhavamos antes.
Veja bem,não sou uma estátua soberba de graça,mas tenho a ansiedade de uma tangerina arredia.
Faça-me parar de usar metáforas de frutas.
Venha comigo.

Ruído





Meu cenário é um farol e isso não foi feito para ser entendido.

Benefícios




O benefício de estar calado,é soar misterioso.
E alguém que eu sei exatamente quem foi,mas prefiro não citar,disse que tinha a alma prolixa,
mas usava palavras simples.
Acho que minha má fortuna está em ser prolixa contendo uma alma,comedidamente simples.
O benefício de falar muito é a amarração,muito embora isso deixe de fazer sentido quando percebesse que a desconstrução é muito melhor que a ordem.
Uma certa alteração de quadros sempre funciona como uma nota angustiante tocada erroneamente.
Tenho que dizer,que aquela hora da noite eu tinha poucas cores para pintar a rua e no entanto a noite parecia satisfatoriamente bela e aguda,quase um espinho numa almofada de veludo...
Eu não podia simplesmente ignorar certas idéias por mais sem nexo que pudessem parecer.
As idéias imploravam por um porta voz e todos os verdadeiros porta vozes pareciam estar dormindo naquele momento,por isso,eu me encarregaria de tudo,claro que com menos proeza,mas com igual voracidade...
Talvez eu dissesse tudo aquilo por precisar daquele olhar cansado que pedia ainda que sem nada..." fique".
Ou então porque minha alma alimentava-se de poesia e desconstrução e eu esperava suas palavras,porque eram as únicas palavras em preto e branco em um mundo colorido.
E esse mundo havia perdido as matizes,a saturação original e todas as sua nuances jornalísticas...
Só ele poderia me tirar dessa busca por atitudes cheias de benefício.


O único problema:


Meus dedos não me obedecem.

Dez



Eu estaria lá agora,se fosse em outros tempos...
Eu saberia exatamente como agir para que tudo se resolvesse,
Talvez eu ainda possuisse algum dom especifíco para  deturpação da visão,
que não fossem meros números,mas o que fazer quando só esses descompassados números veem a sua cabeça?
Como ignorar seu apelo ilógico porém consistente,eu mal posso ouvir agora
Tudo o que fiz de bom ou não permanecerá apenas no ontem
e tudo ao redor soa como um canto de um pássaro profético,
Eu possivelmente,estarei perdido e não encontrarei ninguém que me acolha,
ninguém me servirá um café forte depois que eu sair da tempestade,
ninguém me dirá o quão errado eu posso ser e como minha mediocridade teima em emergir em esferas ao meu redor...
Todos os erros são tão belos e todos os tolos tão certos,
E eu estou sentado no medo,segurando essa maldita lágrima,outra vez!
Porque você não vem com toda a sua força e me destrói...
Não sabe que sou fraco o suficiente para não sujar minhas mãos?
Acaso não sabe que não nasci para isso? que me falta tenacidade,tato,talento...seja lá o que isso signifique?


Eu me afoguei muitas vezes e implorei tantas vezes e fugi da humilhação sendo mais tolo do que se por ventura, se entregasse a ela,
Está tudo tão morno aqui e o céu está aos meus pés e pode dissolver-se a qualquer instante.
Eu estava dentro de um livro,eu sempre estive,mas só agora percebo.
Está ficando tarde,alguns ônibus vermelhos atravessam as ruas
e não estou satisfeito com a noite.

Aviso



Existia uma placa no meio da estrada que dizia que não havia nada além dali e que muito provavelmente os que tentassem contrariar essa verdade plena,perderiam-se a ponto de não enxergar um palmo a frente do nariz.
Quando ela chegou aquela estrada tinha certeza que já havia estado ali,estacionara o carro a poucos metros e agora,observava cada movimento do vento em seus cabelos e cada suspiro da noite,tudo sugeria o fim,mas como poderia ter certeza sobre isso? Como algué poderia ter certeza sobre alguma coisa?
A verdade era, no fim, como todas aquelas estradas levava a coisa alguma e diziam que era o fim,mas ela sabia que não havia fim para nada.
Existiam,milhares de começos... Isso era certo.
Ela decidiu parar de pensar,voltou ao carro e vestiu seu casaco,voltando rapidamente a olhar a estrada que se estendia sob a bruma.
Não haveria problema algum se ela resolvesse simplesmente seguir adiante,talvez muitos de vocês disessem " Havia uma placa ali,dizia para parar,por que ela seguiria?"
Estou,aqui só comigo,imaginando a voz que fariam ao dizer isso,posso ver a cara de vocês...
Bastaria a mim,responder que ela simplesmente não faria isso porque não sabia fazer.
Alguns param por que não sabem continuar,com ela ocorria o mesmo as avessas,ela continuava porque nunca aprendera a ter escrúpulos e parar.
Continuar era sua maior fragilidade perante a vida.
Seu olhar repousava agora,como que adormecido por entre os cílios soberbos em um gesto de extrema inquietação  escondido em freuma.
Ela sabia que de qualquer maneira algo mudaria dali em diante,não pela estrada,pela placa ou qualquer coisa assim...
Mudaria porque ela precisava disso.
Ela jamais voltaria para casa e mesmo a palavra casa agora parecia distante para ela,como uma estória de ninar que a cantavam quando ela ainda possuía um rubi no olho esquerdo e um topázio no direito.Casa.
Nunca teve um lugar para o qual voltar e só agora perto ironicamente do fim,ela percebia como aquilo parecia ser humilhante,sua condição de vítima de tudo aquilo que era, doía.
Ser era obrigatório e ela não queria ser.
Não nascera pra isso e sempre soube...Queria apenas uma cama perdida nas nuvens,
um sorriso ainda que entre parênteses,uma palavra inventada só pra dizer como a vida era importante e uma canção que pudesse aquecê-la como um terno dia de outono que nunca mais chegaria.
Nao haviam muitos motivos pra continuar e ela continuava sem entender qual era a verdadeira motivação de ser ou o que era escondido por essa motivação.
Então a estrada girava e ao redor haviam pessoas que olhavam-se nos espelhos e vomitavam logo em seguida.
A estrada parava no ar e balançava como uma corda qualquer que pairasse no ar...
Ela poderia pular se quisesse,mas ela devia sumariamente continuar,era o que salvaria sua alma de qualquer ma futuro,salvaria tudo que pudesse ser salvo,talvez salvasse seu coração atrofiado também.
A estrada diminuia rapidamente e ela sabia que iria cair,mas não se importava.
O ar a afogava em golfadas frias,ela sentia-se parte de tudo...como se ali no seu derradeiro momento,pudesse ter uma compreensão de tudo e de como estivera enganada até então e de como todos estiveram enganados...fechou os olhos deixando a noite cobri-lá e cuidar dela.
Todos estavam enganados...não era mesmo o fim.
Havia uma placa suspensa no ar:


" Viver é cair constantemente"

Um desejo e o Talvez


Queria ter uma vida boa,depois de um dia difícil.
Ter um rio aos meus pés e recusar qualquer coisa que fosse menos que isso.
Mas não consigo terminar e ainda perco sempre o que não tenho.
Era isso? Era só uma casa vazia no fim de uma rua  de Outono?
Era tudo o que eu imaginava e fugia de tentar ver?
Eu não ouço os barulhos,acho que perdi meus ouvidos...
Não posso sequer ouvir o eco,talvez não possa falar mais! Não!
Isso foi um grito? Eu posso ver de fora,todas as goteiras que alagam aquela casa,sim eu posso.
Eu estou tão cansada de estar aqui presa nesta verdade,estou tão cansada...
Por favor,nós poderíamos conversar, sim?
Então eu te contaria as estórias dos sapos que tocam harpas e depois quando estivessemos cansados de tudo poderiamos descansar numa casca de noz,como os insetos fazem e talvez quando acordassemos,o lugar seria outro.
Ah! Deixe-me sair daqui! Eu preciso ver essas coisas que a toda hora me falam,deixe-me sentir por mim,certo?
Você tem algum livro? Tem um chá? Eu preciso desconsertar essa vida,antes que esse pacto me absorva por inteiro.
Quando eu ía a Igreja,esqueceram de contar-me que o demônio vestia-se de solidão para fazer companhia aos iludidos.
Você pode me ajudar? 
Ache uma luz,pode ser um vagalume qualquer.
Ache um lugar onde tenha uma coruja cantando o tempo todo e altos pinheiros para fechar a noite como uma cortina.
Por favor,tire essa arma de perto de mim... Eu gosto de adagas,não dessas armas sujas de pólvora!
Se quiser me matar,use o belo e o cruel,não o mundano e fácil.Por favor!
Isso não está certo,eu não poderia estar aqui,mas aproxima-se o grande final de tudo e sempre haverão grandes finais.
Eu queria acreditar em Deus,mas está muito difícil com essa arma me observando.
Mas eu preciso ver a noite,ver que mundo deixarei tão cedo...eu preciso reinar em mim.
Mas não posso deixar de temer e querer tanto,por que?
Nós poderíamos compor uma canção,não acha?
Que falasse de um dia triste onde alguém plantava cactos na praia,e eles floresciam,porque nada precisava ter sentido.
Nesses dias,nada parece ter sentido,mesmo.
Só a pólvora.

O que você vê?



Sou uma caricatura injusta de mim mesma.
Um rascunho feito numa noite quente por um rosto expelindo lágrimas frias
Todas as metáforas pobres e desconexas
Que qualquer escritor do bar da esquina poderia  criar e parecer ousado
Sou toda essa infâmia e cansaço
Que pode te engolir e desordenar seu passos certos,ou talvez não.


Foge-me as coisas eternas.
Fica aqui,somente o perecível,o falho,o laço desatado,a vulnerabilidade do Mundo.
Quero ser tanto,que me engasgo no dia.
Vejo os desenhos mal pintados e penso nas cores que não existem,só elas importam realmente.
Tenho por mim,que me tornei um desejo inacabado.


Lágrimas.
Minhas lágrimas carecem de expressão e persuasão.
é mais difícil chorar em um dia de sol,daqui pra frente será pior,eu sei... como sei!
Os dias de chuva escondem.
Os dias de sol,fazem arder em nós o sal e o amargo do pranto confuso.




Virei uma paródia malfeita e corrosiva  da minha canção particular.


Leia-me.


Beba-me.


Degluta-me.




Diga o que vê,além da sua própria fome de se ver em mim?



2


Ele não tinha horários,
Mas costumava vir a noite.
Seu corpo ágil serpenteava
por entre as pesadas mantas
e a puxava conta si com
um ato entre mavioso e violento.
Eles viviam sempre em meio 
a paradoxos.


Tomavam-se 
Como duas crianças que descobriam
esconderijos secretos na
Nudez sagrada o outro.
Nunca perguntavam-se sobre o destino...


Ele sabia que um dia ela partiria.
Ela era apenas um dia agradável de maio.
Daqueles feitos para durar bem pouco

Não podemos pedir a um dia que dure mais do que o permitido.
Quando um agradável dia de maio estende-se,
ele poderá tornar-se escuro e distante ou
você perderá a ternura que lhe devota e passará a odiá-lo.


Era assim que se amavam.
Ele a ela em um silêncio penitente,quebrado apenas pela volúpia.
Ela a ele por lhe dar razões para permanecer embora soubesse que ela fora feita para
andar,como esses espíritos do ar.
Porem se em frêmito as carnes encontravam-se era ali que algo maior que o amor era testemunhado.
Eles fariam estremecer o Céu
E comover o Inferno.


2




Dois amantes emanando liberdade,urro e secreção.
Cansaço e posse.
Ali.


Um segundo.
Livres,para serem os amantes que nunca mais seriam.


O Limiar



00:36:07


Queria escrever um conto de natal que enternecesse o coração da minha mãe e me fizesse acreditar um pouco mais nisso tudo.
Mas eu não posso.
Queria possuir essa fúria lamacenta e questionadora,mas tudo em mim e fragilidade.
Queria avisar a todos que a estação já passou,mas o trem continua indefinidamente...
O Natal é feito de pessoas egoístas.
Ninguém pensa naqueles que esperam um presente que nunca  chega e que não desistem de esperar,ainda que isso resulte em nada.
Se eu deixasse de pensar em duas cores,talvez eu compreendesse aqueles que falam sobre milagres.
Eu ouvi alguém dizer que "só os loucos estão seguros".
De certa maneira,acreditei nisto desde sempre.
Olhar o céu sangrando é triste,denso e mórbido;
Mas eu sentia na tarde o sabor marrom de um pêssego recém colhido.
Tardes pêssegos eram raras.
Era doce ser esquecido nessas tardes.
Eu deixara de esperar por presentes,poemas e bolos de mel há muito tempo.
Ainda existia,entretanto, uma menina de olhos grandes e frios que esperava por eles,ainda que sen esperar.
Essa menina tinha cisnes no estômago  costuma rezar em altares a beira do abismo.
Ninguém questionava esse hábito.
Ela ainda esperava os malditos presentes.
Eu poderia dizer-lhe que era tolice,mas ela apenas taparia os ouvidos e me obrigaria a silenciar.


01:10:33


Não consigo escrever um conto de Natal terno,estremeado de afeto,laços e vinho quente.
Contento-me em ouvir uma Cítara ao longe  e deixar passar a chuva.
O Natal chegaria irremediavelmente,assim como as contas e os pombos do pátio da Igreja.
Quando os sinos tocassem mostrando o ínicio das festas,
Eu tomaria carona com qualquer primeira estrela da noite e antes que pudessem achar-me,estaria dentro de um vagalume ou em qualquer lugar onde eu pudesse estar sã.
Chegando lá,a menina do quadro iria querer me expulsar e com razão,afinal eu estaria invadindo o seu lar.
Hora ou outra,ela entenderia.
Flaria em uma língua estranha,talvez uma língua só compreensível para garotas de olhos grandes e tristes que habitavam quadros passando a habitar vagalumes.
Estranha ou não,ela diria:
-Quando nascemos nos fazem loucos e quentes,se não fosse assim,cantaríamos como pintassilgos uivariamos como lobos.
Somos todos loucos,Sofia! Todos loucos!
Guarde sua pouca sanidade em cada gotícula de ar que expelires.
Pudesse eu estar sã e fria...
Aqui,você ficará sã,até a loucura do mundo ir embora.Estará segura aqui.
-Mas hoje é noite de Natal,eu preciso escrever um conto  sobre a loucura,o sonho,os presentes...
Eu preciso voltar!
-Por que voltar se aqui estará segura e fria?- Ela sorria fazendo aquilo parecer fácil.
-A ceia...meu pai...histórias... minha mãe...canções...Goodnight...Piggies...É importante...não é?-Eu cambaleava por dentro.
-Não é. 
Lacônica.
-Devia ser...Eu preciso tomar banho... está tarde...Tenho que devolver os botões do Francesco!
-Você não tem para onde voltar,você não precisa ser amada e muito menos precisa de ceias.
É um sonho.Você morreu,Sofia.
Ninguém a espera,não agora.
-É mentira! Eu não posso simplesmente deixar de existir como um raio imbecil que aparece para logo sumir.
Eu tenho um motivo pra viver!Preciso escrever um conto de Natal!


. . . .


Ela para de escrever,prevendo que eu logo saberia de sua existência.
Ela poderia prever qualquer coisa.


. . . .


-Já está sendo escrito um conto de Natal.
-Sim,mas não é meu!
-É sobre você.


. . . .


01:40:20


Ainda busco minha sanidade.

Rua das Luzes



Ele não se desgrudava do pequeno embrulho há muito tempo,todos indagavam-se sobre a origem ou finalidade daquilo.
Mas como todas as horas vencem o calor dos dias,o embrulho continuava ali com ele.
Um dia eu mesma perguntei-lhe sobre isso.
Ele sorriu entre singelo e melancólioco e disse-me por entre os óculos de aro dourado,que era somente um "presente de natal".
Fiquei em silêncio a procura de um entendimento que não vinha.
Qual importância deveria ter aquele "presente de natal".
Como ser ousado era uma forma de fazer-se entender melhor a solidão,
Com a ânsia de um gato no muro,perguntei-lhe o que havia ali dentro.
"-Sonhos talvez,talvez medos...mas acima de tudo expectativas!"
Dessa vez sem dizer qualquer despedida os ao menos dar sinal de que partiria com um leve inclinar de cabeça... Saiu soturno pela rua enquanto as luzes desafiavam-se no céu.
Eu já tinha passado pela rua das luzes,mas era tudo mentira ali.
Eu sabia examente tudo aquilo que precisava saber,
Sabia exatamente aquilo que eu nascera pra ser...
Mas de repente um encontro casual com um senhor de olhos de coruja e de voz grave havia me deixado extasiada,tão extasiada a ponto de não reparar que ele havia me deixado seu pequeno presente de natal.
Pois sim,ele esquecera.
Vi que ele não havia ainda terminado de cruzar a rua das luzes.
"-Espere! Isso é seu!"
Ele voltou-se em um só pé,tirou o chapéu da cabeça deixando a mostra seus cabelos cobreados enquanto deixava um sorriso compreensivo bailar nos olhos e expandir-se para os lábios,mas os sorrisos dos olhos são sempre mais verdadeiros.
"-É seu agora.Entendi porque ele foi me dado de maneira tão estranha e há tanto tempo,somente para que eu tivesse a oportunidade de te entregar em uma noite de véspera de Natal como hoje.
Servirá mais pra você do que pra mim,agora.Adeus!"
Quinze.Prédio.Andar.
Não.
Minha casa nunca fora cenário de algo tão inquietante.
Abrir.
Dessamarrei as fitas vermelhas,sorvi o ar frio daquela noite quente e esperei que meu coração não se dissolvesse naquele hálito.
Era só uma caixa afinal,por mais envolta em mistério que estivesse por eu ter lhe atribuído isso,era uma caixa e não poderia fugir disso.
como nós.
Mas naquela caixa havia apenas uma carta meio borrada e triste.
Suspirei.Mantenha.
"Se você estiver lendo isso agora,quer dizer que consegui meu intuito de simplesmente chegar até você.
Quando recebi essa caixa vazia também não compreendi direito o motivo de me a terem dado.
Ora,o que eu tinha de especial para recebê-la?
Antecipo a sua resposta,nada.
Porém para aquele senhor que me entregou,eu tinha muito de especial.
Agora você poderá indagar-se sobre o valor de uma caixa vazia?
E quanto ao valor de todas as coisas vazias?
De uma vida vazia talvez?
Provavelmente se você recebeu isso,é porque não tem nada e quero te livrar disto,assim como você livrará alguém num dia de véspera de Natal como este...
Se você apesar de tudo não compreendeu o sentido disto.
Conforme-se,essa coisa de sentido foi inventado pelos infelizes para fazer de todos iguais a eles e sofrerem menos assim.
Nós somos como caixas,depende de você aquilo que você coloca dentro si.
Você possui este presente agora,mas antes já possuia a si e poderia fazer com isso o que bem entendesse.
Mas se precisaram te alertar,é porque precisava que descobrissem por você,mas saiba que tudo está adormecido dentro de você.Você tem coragem e ousadia de despertar?"
Minha caixa está comigo até hoje.
Quem será a próxima Eleanor Rigby a quem terei de entregá-la?



Era





Querido amigo,estou te escrevendo depois de tanto tempo porque aqui o tempo corre de outro jeito e provavelmente você não se acostumaria a isso.
Depois que sai pra procurar vespas do mar e guardá-las dentro da gaveta da mesinha de escrever,descobri que as vespas do mar que eu desenhava apresentavam mais perfeições do que as reais.
Você me julgava um tanto louco e agora sei que talvez você tivesse razão,ora...
sair a procura de vespas do mar coloridas em plena chuva de junho,sim,parecia loucura.
Mas aquela era minha única forma de existir e se eu simplesmente deixasse de seguir aquelas bolsas mágicas cheias de veneno,eu deixaria de viver e talvez você soubesse mais disso tudo do que eu,por isso permitiu que partisse,apenas com aquele barquinho de jornal na cabeça.
É,querido amigo...
Os tempos andam passando cada dia mais e mais,
eu não entendia e agora entendo.
Você já entendia e queria que eu aprendesse,mas passou tanto vento por aqui e você não pode entender mais.
Quando eu vou me ver livre desses galhos secos e desses dias de chuva rasa?
Ah,querido amigo;
Onde estão todos?Que dia é hoje?
Acho que definitivamente te perdi para esse mundo.
Na verdade,acho que a cada minuto nos perdemos um pouco de tudo e de todos,não existe muitos caminhos,mas cada um anda ao seu modo,sempre.
Eu voltei por entre flores e pedras e ainda encontro a mim mesmo como um espectro.
E o eco da canção reverberava nos meus tímpanos cansados,eu voltava de um sonho e olhava as luzes de uma noite morna de Natal,era tudo o que alguém precisava para sentir-se tolo...mas não.
não comigo,querido amigo.
É chuva demais para uma única vida,dizia a música e eu realmente sentia que era isso. *  Chuva demais.
E eu estava caindo, querido amigo.Caindo lentamente na sua lembrança,
Me afogando nas luzes de Natal,por mais cômodo e típico que pudesse parecer era o que acontecia.
Então,meu caro,eu cansei de ver aquele fúnebre espetáculo e vim ter aqui e escrever,mas ao começar a escrever deparei -me com seus olhos na parede e vi que embora as luzes e toda a cidade estejam mudadas,havia ainda uma centelha em seu olhar...
que só poderia ser realmente sua centelha,eu entendo...talvez eu fosse tudo aquilo do que você me acusou,mas você sempre fora muito álem do que eu poderia supor,nem mesmo o urso Thomas Linton,viajava pelos meus barcos de jornal.Ali só havia um lugar de passageiro que sempre fora destinado a você!
Vê? Acho que seu belo menino triste aprendeu algumas coisa depois de tudo isso.
Que embora as vespas do mar sejam  ilusórias e apagadas,é necessário persegui-lás
E por você saber de tudo mas querer que aprendesse sozinho,eu sou grato.
E porque você sempre soube que pessoas como eu são destinadas a fugir e escrever sobre vespas do mar,você poderia me proteger,mas me deixou partir...
Por isso tudo,eu aprendi a te amar mais do que as vespas do mar,mas até do que a tentativa de achar vespas do mar ou mesmo daquelas que eu desenhava no caderno e sim,aquelas eram belas e como...

adeus,querido amigo.


 * Retirada da música : Too Much Rain - Paul McCartney

You're Burning love,you're burning hate



Você estava errado menino ingênuo,você estava errado.
Olhe para suas mãos e você verá apenas sangue coagulado.
Voce está queimando.Jogue-se agora daí!
Você está gritando,recusando e caindo de volta.
E só posso dizer: Jogue-se daí!


Pra que criar metáforas vãs?
Neologismos baratos?
Pra que recriar o mundo e o chão,se você sabe que está queimando?
Oh menino triste,ouça-me!
O mundo não é melhor que isso,não.


Tudo o que você olha é insensível ao toque.
Você não consegue parar de soluçar e de não entender essa porra toda.
Vire a direita,na rua dos túneis.


Você está com frio,admita.
Você costumava ter mais amigos do que idéias quando seu mundo era pequeno.
Acostume-se a andar do lado das idéias,porque seu mundo é grande,menino,tão grande.


E você vai queimar aí dentro,vai vazar pó e saliva pelos seus orifícios.
A não ser que você caia,agora.
Você pensa que vão te olhar e que vão se importar com sua sofisticação?
Você perdeu sua casa,menino.
Você sangra,sangra com a obstinação dos que precisam de sangue e não tem ou tem e não sabem.
Sangra como quem descobre um segredo e quer ter o egoísmo puro de tê-lo para si.


E você visitou o inferno por quantas vezes hoje?
O que você encontrou por lá?
Freiras,Rabinos e professores?
Você conseguiu se encontrar por lá?


Eu sei que era um lugar escuro onde você só vê a frente
Eu sei que você voltou com medo.
Eu sei.


Então você vai ficar em silêncio?
Então você vai deixar essa noite levar seu estoque de lágrimas santas?
Então sua liberdade é tão escassa?
Prefere assistir calado seu próprio enterro e apenas resmungar um palavrão abafado a beira da sepultura?


De longe eu vejo as chamas,
Você queima como a bliblioteca perdida.
Você perdeu aquele ar de ser de ar.
E agora toda a chama te afeta,você arde,inflama e queima.
As mulheres em prantos gritam:
-Não há água!


E quem precisa de água???
Quem precisa de ar???
Quem precisa precisar???


O fogo vem singelo como a vida
Da beira dos escrúpulos até a maldição da sobriedade,
Ele te flagela,te espõe dilacerado e verdadeiro,sem preceitos falhos.
Então dormirás tranquilo sem sobressaltos,porque a ruína tem sua própria libertação.
Queimar é o único modo de se enxergar além.


Nós sempre destruímos aquilo que amamos.
Sempre.

Invisible True



Eu não acredito na tua vontade
Repudio o teu desejo
Tenho nojo do seu afeto
Me revoltam as tuas verdades


Verdades?


Ah! Que vontade de fielmente acreditar
Desejo de poder evitar o repúdio
De ter afeto do meu ser por ter nojo
De ver verdade na minha revolta


Mas me cansa a língua aflita
Não nascer em nada e pra nada.
Seria uma solução?
O não saber cerca-me a ponto de partir em raios finos meu desvairado coração


Oh! Não invada-me!
Não lhe confio nada em mim.
Não dou-lhe nada,
Porque nada me pertence
E eu pertenço a própria terra estéril que me trouxe
da lama a vida.


Não me peça nada
Não posso lhe dar nada
Porque tenho vergonha de ser assim
Portanto,não queira nada de mim
Nada.


Porque quem nunca foi,não será
Quem sempre quis,não terá
Não tenha pena de mim.


Algumas pessoas nascem pra ter piedade
Outras,pra ver essa piedade falsa
Dissolver-se em convulsões

Mantra




Ele gritava a todos os pulmões.
Só tinha forças para isto. Gritar.
O que poderia fazer se sua voz,por acaso,falhasse?
Não haveriam mais luzes de estrelas,gaitas em alto-mar e pássaros que falam e dançam na proa do navio.
Não.Aquilo parecia tão distante agora.
Distante de todas coisas que eram certas.
Podia ouvir ao longe a "Moonlight Sonata" tocando,tocando... mas ao contrário.
Porque.Por que? O céu planava quieto.Por quê?
Alternava-se com o tom tilitante de um balanço enferrujado.
Quando era criança,balanços enferrujados e cestas com pêras e torradas bastavam para ser feliz.
Por que agora ele queria mais?
Por que não poderia sentar-se ao pé da colina e sentir-se um tolo?
Porque o mundo mudara e ele sabia disso.Não havia no hoje e talvez não mais houvessem,tardes de outono e conversas obscuras frente a lareira.
Nunca mais haveria calor.
E aquilo queimava-lhe friamente.A garganta apertava e agora podia sentir o efeito do grito,junto com o topor do ácido que fazia sua cabeça turbinar e ferver em convulsões estáticas.
Cerrou as cortinas.Fazia um tremendo frio,daqueles frios que há tempos não sentia ou ouvia falar.
Silêncio.Dom.
Não podia simplesmente correr para longe,como fizera tantas vezes.
Porque não era apenas uma lembrança insistente,era um mantra.
-É apenas...eu! -Ele havia lhe dito com sua respiração trêmula e voz pausada.
Isso foi quando eles brigavam por quase tudo,há tanto tempo.
Ele podia lembrar-se com distinta clareza da cor das nuvens e do cheiro do estio e do feno.
Podia lembrar-se de cada espaço de tempo que gastara,cada respiração contra seu nariz,cada entreabir de lábios,cada lágrima de pó e chuva,cada cada de tudo.
Como ousara esquecer da liberdade que lhe caia das mãos?
Mas como poderia? E quem poderia?
-É apenas...eu.
A porta batia exausta e seu coração estava quieto como a lava de um vulcão inativo,mas poderia tornar qualquer coisa em pedra e tristeza.
As mãos enrrugadas tomavam a forma de seu rosto.
"Quando cresci?Quando foi que perdi o ar ingênuo e risonho?Quando foi que deixei o velho vento entrar pela frestra da minha porta sem reagir? 
Perguntava-se e não obtinha sequer uma resposta.
Ele continuava ali,a observar as primeiras estrelas despontarem no horizonte.Em que dia perdera a noção de tudo?
Surgia riscando o céu,um rastro de avião. Em que horário deixara de acreditar na vêemencia da palavra saudade?
Pintava de azul-oceano a noite e o céu convidava-o para dançar com a sua solidão.
Houve um tempo em que não se contava nada.
Cálculos eram desnecessários.
Ele lembrava-se bem,que nesse tempo costumava nevar e os flocos de neve ardiam na pele.
Mas isso foi em outro mundo,num mundo em que lhe bastava dançar,num mundo em que um sorriso por mais a contragosto que fosse,era sinal de uma nova canção.
E tudo era tão ontem;
Tão tolo e merecido.
Neste mundo,só existiam aqueles olhos pequenos e cheios de bosques a dizer:
-É apenas...eu!
Pior que um "Om",pior que datas de aniversário,pior,muito pior do que as letras de músicas ruins.
Aquilo dominava-o.E a expressão triste e sádica ao dizer: É apenas...eu.
Cruel e cru como um mantra que o redimia da dor de ser livre e de amar.
A tempestade passara.
Ele não mais sangrava em uivos.Apenas fumava um cigarro e lia em qualquer folha avulsa de um jornal um fato de hoje.
Todos os fatos eram os mesmos.
Ficaram velhas as insinuações e notícias.A tempestade acabou.
E creia-me,sua chama débil foi-se com a chuva.

Ciranda da meia noite



Aos cinco anos,já batia a cabeça nas paredes e aprendera cedo o que se tornaria um vício.
Chorar em banheiros,sem distinção de lugar,cheiro...Banheiros.
Aos seis anos já buscava sua própria janela mágica ou esconderijo secreto.
Cansada de sua procura,passou a inventar estórias e por algum motivo,acreditavam nela.
Queria insistentemente atirar-se de um prédio,mas não moravam em um.
Pisava em poças pelo doce sabor da transgressão e sentia sapos em seus pés e borboletas de todas as cores dentro da íris.
Não borboletas exatas.Não.
Eram borboletas de cor e fascínio criados.Que subiam dos arranha-céus as colinas de mármore e pó.
Tenra a idade,porém ranzinza ineterruptamente.
Fruto de certas disseminações de idéia antigas e de contradições permanentes.
A estupefata menina das tardes de sábado,que sabia que brincar com pedras era melhor do que ser gentil.
E ser gentil só servia pra ganhar mais geléia de uva com a qual poderia lambuzar-se e sentir a velha auto-piedade de seu ser sujo.
Viver era inalcansavelmente lúcido demais,prometido demais,subjulgar-se.
Subjulgar-se as bonecas de alma branca e fácil,que lhe sorriam sem oferecer nada de verdade.
Sem oferecer,ao menos o frescor dos dentes ou o hálito puro.
Ela não pedia nada,acostumou-se de tal forma a não ter coelhos apressados com relógios a caminho de uma festa da mesma forma que se acostumou a não ter coelhos,a não ter pressa,nem relógios ou caminhos,muito menos festas.
A alucinação da ausência de coelhos om fraque e cartola,chegou ao seu ápice,quando ela negou-se a comer coelhos de chocolate.
Fora uma resolução acertada,afinal.
De tartarugas ela não tinha piedade,muito menos de tartarugas de chocolate com estômago recheado de creme.
Tartarugas eram enfadonhas e dentadas.Coelhos eram apenas dentados e mágicos.
Sua alma perplexa,porém,ainda tinha o certo alívio de as vezes tomar chá.
O chá que a transportava para lugares frios,onde tinha a consciência mutante de que seu espírito era mesmo assim.
E que lhe fugia tudo das mãos,porque não tinha mãos capazes de suportar os frutos.
Nem os frutos,nem o pólen,nem as severas abelhas.
Simplesmente não suportava nada que lhe limitasse a respiração,porque os afluentes caiam sobre ela,
e seus pensamentos caóticos tinham a tediosa e bela sonoridade do nada.
Para ela,não havia coisa mais fascinante do que poder acreditar nas coisas,
com a inocência dos púdicos e a ânsia sempre crescente das meretrizes.
E deveria acostumar-se a isso mesmo.
Aquietar-se,por saber que era assim que a vida seguia.
Sem prestar contas ou consolar os que muito esperam dela.
Era certo que fora feliz,ponto.
"Fora",era novamente limitar-se e limites eram tão rígidos.
No entanto,fora feliz.
Assim como é provável que Dario perdeu a Guerra contra Alexandre.
Pouco juízo falho.
Feliz. Porque sobram restos de folhas caídas que servem para tapar o sol de arder nos olhos.
E por haver olhos para esconder do sol.
Também por haver um motivo para tapar os olhos: O sol.
Porque sabia que em torno disso,deveria haver alguma grande razão.
Algo externo a si,um motivo.
Um motivo para as coisas existirem.
E para provar que o mundo não era idéia sua,ou antes,que sua pouca madureza era incapaz de conceber algo que não fossem suas palavras cheias de saliva e prudência.
Antes que lhe dissessem o quanto não era bela e oportuna  para as coisas,ela já sabia que as coisas eram as coisas sem serem coisas,enfim...
Já sabia que olhar nada tinha a ver com a visão e que ser,costuma ser o oposto de existir.
Sua ambiguidade nômade tornava-lhe senão um sapo na trunda,uma coisa imersa em outra coisa inútil.
O que talvez ela mais quisesse,era vencer um dia aquele medo estável da melancolia que a espreitava e sentir menos repugnância por tudo.
Então,ela continuava,
Porque continuar era mais fácil que parar.
Sempre foi assim.
Dentro do túnel,Alice preferiu seguir o coelho,mesmo que este pudesse dissolver-se no ar,como a maioria dos sonhos.
Poderia dizer que tudo se valia ao alívio de saber-se viva e sentir-se estranhamente especial por isso.
Porque também ela fazia parte do mistério comum que une a todos,como um organismo.
Porque sabia-se cotidiana mesmo que somente na parte revestida.
Finalmente,ela poderia ansiar por sentir-se parte do mundo,não apenas como um aglomerado de moléculas,gases e vazio que preenche os vácuos.
Por isso,sentia-se plena em desacordo com o resto.
Porque sabia que era triste,mesmo sendo supostamente feliz.
Sua alegria era o cansaço do espírito habituado a melancolia nervosa e estéril.
Sob seu sorriso desregulado,
descobria-se a incessante busca pelo valor e sabor dos dias.
Todos os dias que não teve,porque tinha de ser;
Toda a vida que não era sua e lhe coube a missão de tomá-la para si.
Todo aquele cansaço de buscar ser associável a algo.
Toda a incomunicabilidade de não compreender a exatidão.
E achar a exatidão uma besteira.
Sob seu olhar,certas ternuras que a tornavam menos azul que o céu.
Uma saudade do que por descuido permitiu que se esquecesse.
A gratidão expressa em algum canto,por aqueles que a tomaram pela mão,
mesmo que fosse para arremessá-la na inanidade.
E a insólita promessa feita a menina sombria de braços levantados que a contemplava súplice,
porém sem pedir nada.
Mas aquela a qual sabia,por lei que criara;
que devia tudo.
Até mesmo a morte.

Tenho




Tenho que aceitar sua distância cômoda.
Tenho que aceitar sua falta permanete de nexo
e ainda assim adorá-la.
Tenho que aceitar a cor da sua íris e da sua retina,mutáveis.
Tenho que aceitar o esmalte dos seus dentes;
O seu sorriso torto,quase fugindo.
Tenho que conviver com a rigidez dos seus maxilares.


Pudera parar de apreciar os movimentos peristálticos
de sua garganta ao beber água.
Se pudesse ao menos
ignorar seu sobrecenho franzido,
seus olhos nublados,
o expandir de suas narinas.


Tenho que aceitar certas coisas...
... e acertar outras.


Tenho que aceitar seu espírito confuso.
Como tenho que acertar meus pensamentos suícidas.


Ter é tão segundo e tão incerto.
Ser,no entanto, é tão permanente que amedronta.
Sorrisos são belos,porque são são fáceis e rápidos e grandes.
Sorrir eternamente deve ser a pior forma de solidão.

Por isso quando meus olhos vermelhos e grandes perderem o pouco brilho que têem,terei de
acertar meus acertos errados.
E quando seus cabelos estiverem cinzas e seus olhos pequenos e azuis,tornarem-se opacos;

Lembrarei ainda da juventude que lhe foi roubada e de toda a beleza triste que morreu.

Linhas




Sinto que vivi minha vida inteira no meio fio.
E na hora em que pensei em voltar,o caminho havia se apagado atrás de mim e não adiantaria seguir as migalhas que sobraram dos meu dias.
Eu não encontraria a casa dos sonhos,estava certa disto.

Dos doces,sobrariam apenas as embalagens.
Era nítido demais.
E eu não aprendi a ver com nitidez;
Porque amava o sol e ele me odiava,
Fazia arder a minha pele e me deixava com os olhos pequenos.
Fui educada a ser cega.
A cegueira era meu dom único.
E quem protegeria meus olhos?
Quem sentiria falta deles?
Quem poderia amá-los?

De tantas quedas,qual seria o chão?
Por que fui condenada a nascer com órbitas imensas e aguadas?
E por que fui tentada a entender porque o sol era grande e belo e mesmo assim capaz de ferir a vista e a memória?
Porque não fui ensinada a nada,porque o mundo se apresentava a mim como uma idéia nova a cada instante.
Eu não sabia enxergar.
E vejo agora,como era sensível a luz e as palavras.
Como era euforicamente triste.
Porque me acostumei a caminhar entre perdas e habituar-se ao caminho é perder-se.

O cansaço que cresce só não é aterrador,porque domina.
Meus próprios domínios ébrios se entregavam a ele.
Por isso,não posso conviver com meu silêncio.
É que para mim,era uma canção que por descuido parei de ouvir.

O Verdadeiro Deus


Morrer e matar.
Não somente pela estatística;
Como fez o menino gordo que tomou veneno porque queria ser químico.
Sua ambição de vida estabeleceu uma relação simbiótica com sua morte.
Coisa estranha.Aquela estranheza que se convertia em pele,músculos,dentes e água.
Aquela estranheza de quem se deixa ler,porque não pode se despir aos olhos da própria solidão.
Ao olhar a imagem desleal e mutável de si,caiu do estrado.
Quebrou os dentes e a alma.
Um pouco de morte dos sentidos,a falsa decência e uma certa inclinação à inveja á molho branco.
Seu cardápio não era útil a nada,nem a ninguém.
Quando vislumbrava seu laboratório,a única vontade que tinha era a de se auto-explodir e sujar os ladrilhos com sua carne autofágica e com a comida contaminada.
Queria ver a carne flácida e viscosa corroer-se e tombar no chão tornando líquido tudo o que fosse sólido,até mesmo a verdade.

Então não poderia mais ouvir aqueles chingamentos:

-Sujo! -Cuspido e declarado em silêncio pela professora do primário,que franzia as sobrancelhas e a alma por trás dos óculos.

-Gordo,baleia,saco de areia! - Dito pelos doces alunos que entregavam maçãs frescas à desdenhosa professora.

Portanto,matou-se.
Procurando livrar-se do "só".Da mania de escrever "só" e de viver este "só" sem sê-lo realmente e ter a única companhia de dejetos no seu cérebro,formado por neurônios gordos.
O sentimento mais verdadeiro que era capaz de sentir,além da fome,era o cansaço.
E mesmo assim,o sentia com a mesma incapacidade que tinha de locomover-se.
Porque o braço enroscava na barriga,a barriga gemia de fome,os ossos sentiam o peso da massa,as pernas tremiam,o suor colava os pelos ao corpo,a respiração era interrompida,os olhos vacilavam,a perna roçava a outra,os pés debandavam em fuga.O menino caia ao chão.
Ali estatelado,como parte de alguma coisa.
Ali,tão nulo como a tinta das faixas de pedestres.
Nulas,mas essenciais.
Percebeu-se então,como o grande mártir de todos os meninos sujos.
Viu-se como o grande Messias que savaria o mundo,por crer.
Vaidoso e cheio daquela segurança que tem as mães ao morrerem ou as freiras em auto flagelo,levantou-se.Um rei dos imundos.
O que se viu em seguida foi o sangue azul que jorrava aos borbotões e os sons de uma"ária".talvez "Pigmalião".
O menino das maçãs cheias de cobiça,contorcia-se aos urros no chão.Os golpes deferidos pelo gordo tinham causado náuseas e pouco demorou para que ele se perdesse dentro de si por completo.
Ao contrário do que seria de se supor,o gordo não ajudou-o.Sequer olhou a criatura inerte e podre a sua frente.Levantou os olhos e cheio de um orgulho,que só ele,por ser Adônis ao contrário poderia ter,dirigiu-se a sala.
A professora se escondera atrás da mesa e gritava com os dentes cerrados:
-Sujo!Monstro!Maldito!
Os outros alunos espantados.
De repente,a sala de aula tornara-se um território apache,onde os cordeiros queriam fugir do lobo de olhar manso e zombateiro.
Porém,o lobo nada fez.Com a mesma serenidade,arrumou os materiais escolares e com a bolsa pequena se comparada ao seu corpo,saiu pela porta,deixando na sala o silêncio,que para ele era respeito.
Finalmente,enxergaram a marca com a qual Deus o havia ungido.O Mártir. O Santo.
Os olhares estarrecidos eram a submissão dos falsos santos de Sodoma e Gomorra,
A adoração dos cortesães prostitutos da Babilônia.
Sentia explodir em si,como uma grande revelação,uma comunhão,uma paz que ele sem saber julgar,julgava incomum.
Sentia-se especial.Único e Uno.
Ele era a verdade e tudo era ele.

Descobriu por fim,que era Deus.
Sim! Essa era a grande missão.
Ele soube-se Deus,porque assim era.
E por assim dizer,ele poderia destruir o mundo se assim quizesse.Não queria.
Queria mesmo aquele silêncio de adoração dos pecadores vils daquela classe.Ele era Deus!
Queria ver os dentes amarelos da professora cética.Ele era Deus.
Queria ver o sangue (que ele criara) escorrendo pelos orifícios do menino das maçãs.Ele era Deus.
Tudo chegaria ao fim.
Se a estória não tivesse aquele começo que leva inevitavelmente quem a recria a querer combinar o fim e o ínico,como se já não estivessem ligados pela própria desventura da narração.
Seguindo regras e estatísticas;
Era matar e (ou) morrer.
Um vidro apenas era o suficiente para provar ao mundo que ele era Deus.
Ele não precisava saber disso.Acaso Deus teria dúvida sobre ele mesmo?
Deus existia e sabia desde o ínicio da separação dos estômagos que era ele e pronto.Ele era Deus.
Mas queria,o gordo,agora recém Deus,queria revelar ao mundo seu poder ultrafurioso.

Queria dizer: - Sou eu! Javé!

Por isso bebeu o veneno de rato que ficava sobre o armário da cozinha.Era Deus.
Não morreria por um veneno que corroia apenas as entranhas dos mortais;
Bebeu junto com o veneno,a glória.E a glória nunca pareceu tão amarga e um veneno barato nunca pareceu tão doce.
Não doía.Conformou-se.Era Deus.
Bebeu até não mais ter garganta para cuspir.

Foi como um soluço.
Sou Deus.
Morreu para ser químico.

Anunciaram a morte de Deus sem alarde,mesmo para a santa e escolhida mãe,Maria da Anunciação,a morte do filho pródigo era mais alívio do que tristeza.
Poupara a senhora rígida,o trabalho de explicar ao filho santo que ele não poderia cumprir seu destino divino.Ele tinha um tumor no lóbulo esquerdo do cérebro e com sorte e por ele ser Deus,ainda teria seis meses de vida.
No fim,descobriu-se na autópsia,que dentro de seu grande e gorduroso coração havia uma substância em excesso,que podia ter culminado no acesso.A essa substância estranha deram a nome de "Esperança".

Algo Como a Paz




Era uma paz calma,suave,leve.
Uma paz que não se dá para descrever.
Era um abandono maleável;
Uma fúria terna,uma masidão violenta.
O vento sedava minhas forças.
O sol sereníssimo despendia-se sobre mim.
Eu parada a espera de algo grandioso.
O que? Nem eu podia dizer.
Eu estava só e a solidão parecia ser o melhor lugar do mundo para mim.
Não que eu gostasse qde me afastar das pessoas,mas a questão era:
Até quando suportaria viver com elas?
Quando eu estava em mim eu conseguia ouvir as respostas confusas e aburdas da minha mente desgovernada.De outra maneira,eu não conseguiria.
Sozinha,eu podia ouvir a cadência das batidas frenéticas do meu coração.
E podia dizer: - Sim! Existe vida aqui dentro.
Nunca estive realmente certa disso.
Mas,eu podia afirmar,que de alguma maneira aquilo parecia muito com o que eu costumava chamar de paz.
Não era só o silêncio que era capaz de me seduzir,atrair...
Era também o sentimento de que de certa forma,eu não podia aqui sozinha,com o corpo comprimido ,os olhos seguindo os veículos da estrada e a cabeça encostada no tronco da árvore,causar nenhum dano a quem quer que fosse.
Talvez aqui,eu me sentisse em paz,porque eu me anulava,
Limpava a mancha suja que eu era para os outros e tinha a rasa consciência de que o abismo parecia diminuir pra mim.
Eu era apenas mais alguém sem rumo,mas por que para os outros parecia doer menos?
Por que eu deveria ter sempre a noção exata e angustiante do tamanho e da proporção do meu sofrimento?
Acaso uma gota de água do rio sabe que se perderá para sempre ao encontrar o mar?
Acaso a abelha tem consciência de que morrerá ao picar um ser humano?
Porque nós sabemos,dói.
Porque queremos nos livrar disso,a dor é mais pugente.

Eu poderia dizer isuportável,
Só que seria demais.
Se fosse assim,eu não poderia sequer dizer isso,porque não suportaria a dor de tantar explicar a própria dor.
Ou a agonia suave de inventar uma paz que pudesse nascer no meio de tanta lamúria,como
Uma flor (fria e cinza),no meio de uma pedreira.


Era assim;
Uma paz cinza,ocre.
Uma paz que não se ardia
Pelo horror que gira,apelidado de mundo.
Uma paz sem fases.
Que tenta explicar a si e confunde-se,aí está sua explicação.
Não quero mais confundir a minha paz.
Deixe-a dançar calma apenas na extensão magenta do horizonte.
Deixe-a ficar mais um pouco.
Apesar de ser tarde.

Deixe-a ir somente após meus olhos se fecharem e meu sono triunfar.
Encoste-me na relva úmida,para que eu não possa vê-la partir.
Assim,ao menos pensarei que tudo foi um sonho edílico e
Esquecerei quando acordar.


imagem:  Chill October - John Everet Millais

Janela




Meus olhos ardiam novamente.Coçei com a palma da mão,procurando com aquele gesto instintivo afastar o sentimento de que o ônibus já estava perto de seu destino.Sim,o destino era tão somente do ônibus,porque eu não tinha destino,tinha apenas uma trajetória indefinida,pela qual eu me arrastava mecanicamente,como uma lesma.
E foi assim,mecanicamente,que olhei para a janela suja e por que não dizer,triste? metáforicamente,claro.
Objetos,grande mistério.Não sentem,aí está sua mesquinhez e sua grande vantagem sobre nós.

A janela me dizia tanto,me dizia muito mais do que a pobre professora que debilmente procurava entreter com seus causos uma jovem pálida e ranzinza. eu.
A janela me dizia que lá fora havia vida.Não a vida exageradamente alegórica e espalhada das Drags,nem decerto, a alegria rala e frustrada das pessoas ou seriam vultos, que passavam por mim e pareciam fartar-se em suas concepções frágeis da vida que levavam.

Aquela janela medíocre,ocre,empoeirada com poeira que não era encantada,aquela janela quase profana,que mostrava os sonhos de milhões desfilando em fileiras pelos meus olhos alérgicos e cansados.
Aquela janela era meu pacto silencioso com o mundo.
A janela era o contato único com a realidade.
A janela sustentava-me.
A existência de tudo passava por seu olhar revelador.
A janela me trazia lembranças genuínas,consideravelmente mais doces do que a voz da professora dos causos.
E menos terrível do que todas as faces que o mundo já ousou mostrar-me.
A janela era a pequena relíquia suja que me salvou do brilhante mundo para o qual nunca fui preparada.


imagem : John Waterhouse

Prolixa



Era triste e pálida
Era fria e tácita.
Não tinha fleuma,era apenas prolixa.
Suas palavras surdas,
Sua sensibilidade;
Apenas acúmulo de informação.Era granito.

Apenas prolixa.
Aquela que nunca julgou ser;
E quis entretanto, possuir a si própria.
É abstrata,cínica e prolixa.
Quase um crime.

Quase nada,prolixidade apenas.
Vestindo uma alma nua,servil,fria.
Nem mais um pio.

Nem mais nada para explicar o repúdio,
A falta de boa caligrafia,
A ausência de freios na cabeça e
o excesso de arquétipos no olhar.

Ela é prolixa,abstrata,cínica,vazia.
Nada mais.


imagem: Lady of Shallot -John Waterhouse

Sagrada Inutilidade





Tenho medo das coisas banais.
Diferente de ume
Abutre ao destender as asas e lançar-se ao vôo;
O abutre não tem consciência de sua natureza.
Ele não deseja ser um canário.
Acaso ele indaga a sumária razão de ser um abutre?
Agora que tenho dentro de mim,os vales e os desertos,
é difícil ter sangue.
Agora que os olhos tocam o infinito,
é doloroso verter lágrimas.
Quando tudo se torna irreal,
Os vagalumes tranformam-se em estrelas e a claridade incomoda mais do que o breu.
As lutas mais vãs sao travadas no solo minado das emoções,
que como cavalos selvagens guiados por suas intrépidas
Amazonas,pisoteiam a derradeira planta celeste.
Nós destruimos aquilo que mais amamos.
Empurramos a nós mesmos por escolhas imprecisas.

Quando a noite se estende;
É mais fácil libertar as redomas que encarceram os gritos.
As verdades veladas parecem querer escapar,dominar o
Universo e comungar com Deus!
Esse Deus das estrelas e do coração humano.
Esse Deus das montanhas e do relâmpago.

Não o entendo!

Talvez...ele não se entenda também,já que me fez não-entendedora de nada.
Haveria ele de se entender?

Talvez a
Criação tenha sido um arroubo,uma decisão tomada sob pressão!
Poderá isso,responder a todas as questões que formulo no meio período de dormir?

Estou apenas filosofando.

A
Verdade é que sou sempre aquela que quer partir e fica,fica indefinidamente.
Não é falta de vontade.
É comodismo.

É a
Percepção de que a segurança é melhor que o indefinido seguir,
É a
Legitimidade da pouca importância de ser constante.

ahn?

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