Corvo Rei


Vamos!
Semeie a violência entre os fragelados!
Destrua  as casas e cabanas de todos os seus inimigos e sacie sua sede de ódio nos corpos esquálidos e inertes da crianças cruas de afeto.
Roa sua almas e faça-as gemerem de frio quando observarem as próprias estrelas ancestrais desertarem dos céus.
Vamos! Você tem essa adaga na mão e pode fazer muitas coisas com ela,inclusive me matar.
Então... Por que apenas olha com esses grandes olhos cheios de piedade como se assim pudesse aliviar a minha dor de existir?
Como se seu falso afeto e sua caridade matinal pudessem me tirar deste nimbo da consciência onde agora me acho?
Por que você deixa isso esvair-se? Por que não diz as coisas que realmente são verdadeiras e deixa as outras para contar na igreja?
Prossiga!
Destruindo mentes,construindo zigurates,derrubando reis e tomando mulheres a contra gosto.
Seja o pior e ganhe o melhor.
E deixe-me,deixe-me estar.
Sem vento,sem casa,sem segurança.
Sem piedade e sem culpa também,porque as horas de medo tornaram-se sussurros e agora a casa ganhou um novo papel de parede.
Voe como um maldito pássaro de mau agouro e  pregue a tragédia e a miséria humana,deixe-me aqui,sem ter sentido e sem poder seguir sua cobardia.
É fácil tirar lágrimas de olhos sensíveis a luz,mas é difícil extrair mel das pedras,pedras onde só se vê jorrar fel.
Faça o mundo deixar de ter fé,invente um número pra você,violente a intuição.
Seja o abutre do homem.
E acima de tudo,não tenha pena ao ver os cadáveres à mercê dos corvos.

Nas Chamas de Roma


Existem pessoas que podem viver nas cinzas,na penumbra,alimentando-se de pó.
Outras precisam ir até as raízes dos carvalhos e sentir seu sabor no apego a terra,ir beber as gotas de orvalho provinientes das nuvens mais densas.
Alguns nascem para construir impérios durante o dia e outros aguardam a proteção da noite para queimá-los.
Enquanto uns escrevem cartas tolas ao mensageiro inexistente,outros passeiam pelas ruas em buscas de restos que possam inebriar momentaneamente seus corações tolos e desabusados.
Eu esperava algo que salvasse meus dias e a tempestade ajudou muito,era só água.
Sem qualquer explicação ou sentimento sobre tudo,era insensível ao ar e eu gostava disso.
Era correr pela tempestade,esperando que ela lhe fizesse companhia pra sempre.
O fogo. 
A cidadela ardia em chamas e os guardas haviam se jogado dos parapeitos das janelas.
Algumas mulheres corriam com suas crianças e alguns homens diante da fumaça asfixiante percebiam que a vida era um pouco mais do que as as assembléias e os banquetes regados a vinho,a vida era mais misteriosa que o corpo sacro santo das prostitutas importadas do exótico leste.
E a vida estava para se revelar em sua crueldade mais absurda.
Ao longe,um louco ou um são ou um pouco de tudo,tocava sua lira maestral.
A cidade rainha do mundo ardia ao som pungente das lágrimas do imperador e em sua vista algo ardia mais ainda,a composição de seu poema épico ainda não estava perfeita.
Quantas cidades ele haveria de queimar para compor sua obra prima e para ter o espírito quieto?
Ao longe,um anjo ajoelhava-se,com o rosto turvado de cinzas e recolhia os corpos miseráveis que tombavam nas redondezas da Velha e Sedenta Roma.
Pensando nisso,eu tinha esperança que a tempestade voltasse e me envolvesse em seu colo como uma mãe exilada.

Pra Me Levar


Enquanto caminho por essas ruas calmas,eu sei que você não estará na próxima casa.
Isso me deixa entre inquieto e com paz.
Eu vejo todas as pessoas terminarem sua vida no sono pacato de seus lares e estou tão imensamente livre e solto no tempo.
No final,não adiantou ter uma casa com solar,ter amor e vida.
Existem tais coisas que só o som da morte ensina.
Enquanto a liberdade não te cega os olhos,você pode ver as poças de água no chão e lamentar a chuva,assim como lamentará o frio,a fome e o vento,no futuro.
Eu estabeleço um pacto sagrado entre minha alma e a noite encolhida no céu.
Eu não tenho medo de acordar a cidadela púdica e santa com meus passos vagarosamente sujos e pífios.
Como se andar e fazer acordos com a noite resolvesse a dor que brilha nos olhos e faz fenecer o verde ao redor.
A comida do almoço,a redução da taxa de juros,o acidente de carro na BR,estão longes e futéis agora.Eu acordei pra dentro de mim e acordar ao contrário é irreversível.
É como a mente galgando as inócuas estrelas e serpenteando e caindo do céu em uma chuva lamoriosa de pensamentos suicidas.
Meu peito explode numa profunda gargalhada auto punitiva,eu encontro você na noite e sei que olha a mesma lua e me vê,ainda que sobre o véu do conformismo e da falta de esperança.
A rua faz reverberar meus passos e uma pergunta caí desajeitada na minha cabeça:
Porque você desafiou a sorte?
É tudo muito triste visto de noite e por dentro,eu gostaria de fechar os olhos.
Mas ainda há um longo caminho para casa e nada ao meu redor é real o suficiente para me acordar se eu ousar adormecer.

A Indiferença do Céu




O céu está em festa lá fora e há gente chorando aqui.
Sua visão turvou-se,mas existe água por trás das colinas de fogo.
O céu viaja em pedaços e é provável que você quisesse que ele respeitasse sua dor.
Mas seu respeito veio em forma de celebração.
O Universo ri dos derrotados,eles não servem para outra coisa a não ser limpar o pó do mundo e enchê-lo de lágrimas inúteis.
A mãe ouviu uma profecia vinda do fundo dos bosques e mesmo assim deixou sua filha seguir a música.
O menino tomou seu violão e correu as ruas tentando se encontrar,só achou a morte.
O senhor da casa ao lado matou-se com um fio infímo de barbante,não deixou carta,nem sujeira.
Ele só queria uma morte limpa,só queria passar despercebido,como sempre fora sua vida,inerte e depercebida.

Não haviam dúvidas de que precisava-se estender a dor para entendê-la.
Precisava-se chegar no epítome da dor para livar-se dela.
O sol fazia uma estranha e solitária dança no sol,quando ninguém o olhava.
Ninguém olharia pra ele mesmo.
Uns passam pelas escadas da mente e se vão outros ficam um pouco mais,mas não entendem onde estão,
E os que se demoram e entendem completamente onde estão,são chamados de tolos por todos os sábios que não sabem onde fica a escada.
E existe ainda Deus que descobre os rostos e desfaz as máscaras da carne,mas a máscara se faz sangue e é impossível retirá-la sem ferir-se,em absoluto.
Essas palavras que voam pela cortina,caem no chão,desesperançosas.
Um dia a noite vai ser inútil e o céu se envergonhará.
A decepção inspirava,mas a inspiração não era suficiente para salvar suas vidas.
E o seu assistia a tudo com a grande sabedoria do tempo e do mistério brilhando sobre as estrelas mortas.

ahn?

Seguidores