Era um dia qualquer de verão. Agora, só me lembro de que era verão, porque era a
estação que cheirava o cheiro que o sol tinha quando pousava em seus cabelos.
Ele era o compêndio das coisas que eu jamais seria.
A minha fúria repousada, dormindo em berço quente.
Ele era o golpe maior de uma dor lenta e letárgica que eu não me julgava merecedor
de sentir.
Ele próprio era o verão, com seu cheiro de hortelã-pimenta e estio pela grama.
Ele era os becos escuros repletos de vida e anseios.
As tardes com pôr do sol magenta, música e sonho diante da cortina estendida de céu
e mar.
Ele era a própria explosão do universo, o epigênese de tudo, quando carregado a
morada de Morfeu em seus sonhos mais ternos, eu, como o homem mais pleno do
mundo o embalava e sentia sua respiração trêmula na pele exposta da minha garganta.
Ele era a ambição da chuva de lavar os corpos.
Ele tinha gosto de morango, saliva, orvalho e dúvida.
Ele era a prova de que eu era a pessoa mais repleta de erros que pudera existir.
Mas eu tapara os buracos dos meus defeitos com a sua existência.
E essa presença era o álibi que me eximira de participar da comédia da vida, da qual
eu sequer conhecia o prólogo.
Sua presença me salvava do meu asco pela normalidade,
Eu o amava de um amor sem passado, ou sequer futuro.
E todas as horas que eu passava a seu lado possuiam a hesitação e a breviedade de
um primeiro beijo, a ingênua fragrânciada primeira canção que fui capaz de cantar, com
os lábios secos e o rosto transbordando de fé.
Ele foi pra mim, e ainda o é, a própria imagem de um céu torto ou um paraíso desfeito.
E veio a mim como eu Deus destronado que exalava adoração apenas com o seu bater
de cílios na pele tímida.
E eu, cuja a resignação falhava, a cada tentativa de superá-lo, que fazia da sua
ausência um pretexto para meus atos patéticos e tolos que no fundo, eu sabia,
vinham da minha vulnerabilidade. Em mim, o amor passava como um sopro, uma vida
que por medo esquecera de viver.
Como todas as estórias de amor, a minha não duraria o tempo exato da queda de uma
lágrima.
Quando eu soube que uma chuva de maio não poderia durar eternamente, tampouco
um verão, eu o deixei.
Porque ele queria uma casa com lareira, crianças esperando a ceia e colocando
sapatinhos na janela.
Ele queria uma constelação com seu nome e um casamento num dia em Março.
Eu nunca quis nada.
Nada além de acordar naquele embaraço de pernas e ouvir o seu bocejo, de beber os
seus sorrisos até a embriaguez total, de contar os fios do seu cabelo até que ele me
parasse.
Eu que queria seu pasmo, seu ódio, sua irritação, não estava disposto a aceitar seu
futuro tédio, porque com o meu eterno cansaço, nada poderia lhe oferecer que não
fossem as mesmas promessas dúbias e vazias.
Mas eu sou egoísta o suficiente para dizer que tudo o que eu queria era ele, mas era
também tudo o que eu não ousara ter.
Então ele encontrou alguém que poderia lhe dar o que eu não poderia jamais.
Hoje, ele tem tudo o que sempre quis.Eu nunca terei e isso não parece justo.
De tudo, restou apenas o sopro e a canção.
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