"É que algum vento montanhês da Noruega contou que a liberdade é triste, mas é leve." - Ophélie - Arthur Rimbaud.
Era noite alta quando a pálida Ofélia levantou-se de seu leito casto para encontrar a doce proteção da lua.
As coroas de flores multi coloridas pendiam de suas mãos delicadas e o ar diáfano da noite balançava seu vestido de cambraia com o vento furioso que soprava da Noruega para a Dinamarca.
Ouviam-se pássaros noturnos, como harpias cantando no abandono da escuridão.
A bela e gentil Ofélia, finalmente livrava-se de sua alma pesada e suja e frágil.
No braço escuro das sombras noturnas ela via a face da Deusa e sentia seu espírito voar no manto de estrelas abandonadas no palco do céu.
Ela queria dançar como uma Ninfa, ela queria sugar o néctar do fruto proibido como Perséfone fez quando no Hades, ela queria lançar-se as águas como Narciso.
Com os olhos transtornados, ela se aproximou do lago de águas verdes que ficava embaixo de um salgueiro chorão, ainda fitando seu rosto fantasmagórico no espelho d'água, julgou ouvir voz rouca e danificada de seu pai ao longe, julgou ouvir um último grito lúgubre de adeus que logo cessou.
Juntando suas coroas de flores... rosas, violetas, arrudas, amores-perfeitos, violetas.
“ Como pode alguém com violetas na mão ser triste?” perguntou ela para um coruja.
Agarrando com delicadeza as coroas que lhe caiam das mãos, ela subiu até o ponto mais alto do salgueiro, cantava antigas canções proféticas, canções de tremer o céu e de fazer chorar os anjos do paraíso e as dríades que habitavam as árvores e urbes do bosque esquecido.
“Ele se foi, não voltará, de linho branco era sua cabeleira, baixem as tampas, ele não voltará”
A cada gota de sua canção, sua voz enfraquecia e virava um ganido gélido preso em sua garganta áspera.
Sua alma que voava mais além queria pertencer aquele lugar sacrossanto, aquele lugar pagão, livre e mesmo assim maldito.
“Minha alma vai com o rio, vai além do rio”
E como Zéfiro era seu amigo de longa data, o ventou suspirou apenas uma vez, antes de entregar a bela donzela aos cuidados das nereidas do lago profundo.
Os vestidos como velas afundavam e sugavam a doce criatura, qual ninfa, ela parecia dada ao elemento e com toda a suavidade que fora sua vida, seu sono eterno não foi um suícidio e sim o adentrar para um mundo edílico, onde qual rainha das flores, ela flutuava em um carro puxado pelas mais belas criaturas do lago.
Seu amor aviltado, sua dor dilacerante, ficaram na superfície do lago silencioso que em seu berço guardava a formosa Sílfide.
As pessoas que vieram depois nunca mais saberiam o que é beleza, porque a beleza havia se matado naquela noite nas montanhas da Dinamarca.
1 comentários:
sua delicadeza nesse texto é incrível :)
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